Como se explica porque é que “o avô está esquecido e diz disparates”?

Na associação Alzheimer Portugal às vezes surgiam familiares que perguntavam às técnicas: “como é que eu explico à minha filha o que é que o avô tem?”, ou “como é que eu explico ao meu neto o que é que o meu marido tem?”. “Era recorrente. Sentimos a necessidade de criar algo para as crianças".

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As crianças serão “os futuros cuidadores" das pessoas atingidas pelas demências Daniel Rocha

“O que é que tu fazes?” O filho teria uns três anos quando lhe fez a pergunta sobre o seu trabalho e Ana Margarida Cavaleiro andou às voltas com a resposta. Como é que se explica a uma criança desta idade que se trabalha com pessoas e familiares afectados com a doença de Alzheimer, a mais frequente das demências? A pergunta fez nascer um livro infantil sobre uma manada de elefantes e um projecto que esta segunda-feira recebe o Prémio Maria José Nogueira Pinto em Responsabilidade Social.

Na associação Alzheimer Portugal às vezes surgiam familiares que perguntavam às técnicas: “como é que eu explico à minha filha o que é que o avô tem?”, ou “como é que eu explico ao meu neto o que é que o meu marido tem?”. “Era recorrente nas nossas formações a familiares. Sentimos a necessidade de criar algo dirigido às crianças”, diz a psicóloga Ana Margarida Cavaleiro, directora do Departamento de Formação e Projectos da associação.

Não é pergunta que se responde às crianças como se faz com os adultos, que o Alzheimer, é “uma doença neuro-degenerativa que origina uma deterioração progressiva e irreversível das funções cognitivas, com implicações no comportamento, personalidade e capacidade funcional da pessoa.” E que haverá cada vez mais pessoas a tê-la, à medida que a população envelhece. Existirão cerca de 182 mil pessoas com demência em Portugal, a doença de Alzheimer representa cerca de 50% a 70% de todos os casos.

Era preciso chegar até eles e o elefante Memo e a avô Kelembra foram as duas personagens do livro infantil O pequeno elefante Memo, da autoria de Paula Guimarães com ilustrações de Alexandra Rebelo Pinto, que simplificaram a história para a tornar acessível ao público infantil. O livro (que a associação vende por 10 euros) vai mostrando um neto que se apercebe que a avó está a perder a memória e capacidades, até que a própria avó acaba por dizer-lhe que será melhor ir embora, para “o lugar dos elefantes”. Acaba por ficar com a manada, com o apoio da família, muito particularmente do neto.

São estas as duas personagens que têm viajado até a várias escolas com o projecto “Memo e Kelembra nas Escolas”, dirigido a meninos dos 6 aos 12 anos do 1º e 2º ciclo. O projecto-piloto arrancou em Santarém, em 2013, e acabou por chegar até 19 escolas de 11 distritos de Portugal, com 3429 participantes, considerando-se que estas crianças serão “os futuros ‘cuidadores’ das pessoas atingidas por estas doenças”. Os 10 mil euros do prémio ajudarão aquele que era já um objectivo assumido, alargar-se a todos os distritos de Portugal nos anos 2015 e 2016. O projecto teve o apoio do Instituto Nacional para a Reabilitação.

Nas escolas, a história é teatralizada e depois chega a altura de a descontruírem, de falar às crianças do que é estar doente, de falar de avós que andam esquecidos, que se esquecem do que almoçaram, ou até dos nomes dos netos, explica a psicóloga. “Explicamos-lhes que não é por não gostarem deles que se esquecem dos seus nomes”.

Algumas crianças fazem mesmo a ponte com algo que viram acontecer na sua família, normalmente dizem-lhes algo como “o meu avô está esquecido ou diz disparates”. Fala-se “do que se passa com o meu avô/avó?”, “dos primeiros sinais?”, “do que são as demências?”, de “como lidar com as suas características?”, “enquanto neto como posso ajudar?”, “dar mimos ajuda?”.

Esta 3ª edição do prémio, que foi instituído em 2012 pelo laboratório farmacêutico Merck Sharp & Dohme (MSD), homenageando a deputada “que se distinguiu pela sua persistência na defesa da responsabilização social”, recebeu 107 candidaturas. O objectivo é  reconhecer o trabalho de pessoas, individuais ou colectivas que se tenham destacado no âmbito de acções de responsabilidade social activa, em Portugal. A cerimónia de atribuição é no Grémio Literário, em Lisboa, pelas 17 Horas. Vão também ser atribuídas quatro menções honrosas. O júri é presidido por Maria de Belém Roseira e constituído por mais seis personalidades, Anacoreta Correia, Clara Carneiro, Isabel Saraiva, Jaime Nogueira Pinto, Óscar Gaspar, em representação da MSD, e o padre Vítor Feytor Pinto.

Menções Honrosas

Mentes Brilhantes

Miranda do Corvo é um concelho sobretudo rural onde muitos alunos abandonam a escola para acompanhar os pais em actividades rurais. O projecto “Mentes Brilhantes”, da Fundação ADFP - Assistência, Desenvolvimento e Formação Profissional, pretende diminuir os níveis de abandono escolar e as debilidades no âmbito da educação. O projecto, que nasceu em Setembro de 2014, dá apoio a 150 alunos do concelho que frequentam o ensino pré-escolar até ao 1º ciclo. É desenvolvido por uma equipa de especialistas da educação e psicólogos que pretendem avaliar e apoiar as crianças “que revelem talentos especiais, dificuldades de aprendizagem e comportamento”. O objectivo não é diagnosticar deficiências mas sim descobrir talentos e potenciar aptidões de jovens através de cursos de estudos avançados nas áreas de Ciências, Matemática, Língua Portuguesa e História gratuitos, workshops nas escolas, conferências e campos de férias e actividades escolares durante as férias.

Escola Virtual de Língua Gestual Portuguesa

“A Escola Virtual de Língua Gestual Portuguesa é dirigida a pessoas que ouvem mas que queiram aprender linguagem gestual, “quebrando a grande barreira de comunicação existente entre pessoas surdas e pessoas ouvintes, nomeadamente os familiares de crianças e jovens que sofrem de surdez.” Funciona através de uma plataforma de ensino online que oferece formação em linguagem gestual com diferentes níveis de aprendizagem, sendo aberta a todos. Os conteúdos são de domínio básico e vão sendo gradualmente aumentados até atingirem níveis médios ou avançados. É gerida pela Associação de Surdos do Porto, tendo ficado disponível em Março de 2015. O projeto conta com 5.629 registos.

“A Música nos Hospitais”

“Através da música, introduzir momentos de ruptura na rotina dos hospitais” é esse o mote deste projecto que, desde 2006 tocou para mais de 140.000 pessoas por ano, de crianças, a idosos, familiares e profissionais de saúde. Um dos objectivos é ajudar aliviar o stress e humanizar contextos comunitários e institucionais, sobretudo hospitais, nomeadamente as áreas de pediatria e geriatria, mas também instituições de educação e de cuidados especiais, prisões e lares públicos e privados. A Associação Portuguesa de Música nos Hospitais dá formação específica a músicos para trabalharem nestes contextos, tendo actualmente uma equipa de 22 músicos.

“Casa em Ordem”

“A Casa em Ordem”, um projecto do Serviço Jesuíta aos Refugiados, surge da necessidade de integrar socialmente e profissionalmente mulheres migrantes na área dos serviços domésticos e cuidados a crianças e idosos. Criado em 2012, dá formação gratuita técnica e comportamental nas áreas de serviço doméstico, culinária, cuidados a idosos, técnicas de procura de emprego, auto-conhecimento, entre outros, através de um curso de dois meses, sendo o segundo mês um estágio. As mulheres que frequentam estes cursos encontram-se em situação vulnerável, desempregadas, com pouco conhecimento da cultura portuguesa e poucos conhecimentos para exercer a profissão pretendida.

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