Como resgatar uma aldeia do interior de Loulé?

Universidade do Algarve lançou Projecto Querença há cinco anos, mas nenhum jovem se mudou para o barrocal nem para a serra algarvia. Último de seis trabalhos sobre desenvolvimento do interior.

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Requalificação da aldeia de Querença Adriano Miranda/Público
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João Ministro, Coordenador do Projecto Querença Adriano Miranda/Público
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Querença está no roteiro turístico Adriano Miranda/Público
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Querença Adriano Miranda/Público
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Serra do Caldeirão Adriano Miranda/Público
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Sara Fernandes, responsável pela Cooperativa de Querença Adriano Miranda/Público
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Os produtos endógenos são uma aposta para o desenvolvimento da região Adriano Miranda/Público
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O abandono de aldeias ainda é preocupante Adriano Miranda/Público
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Cemitério de Querença Adriano Miranda/Público
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A população algarvia contunua a envelhecer Adriano Miranda/Público
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A escola primária de Querença resistiu ao encerramento Adriano Miranda/Público
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A falta de transportes colectivos é uma das grandes preocupações Adriano Miranda/Público
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Aldeia abandonda de Cabaça Adriano Miranda/Público
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Aldeia abandonda de Cabaça Adriano Miranda/Público
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Aldeia abandonda de Cabaça Adriano Miranda/Público
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Aldeia abandonda de Cabaça Adriano Miranda/Público
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João Marun, arquitecto que abriu uma empresa de jardinagem em Querença Adriano Miranda/Público
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Requalificação da aldeia de Querença Adriano Miranda/Público
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Nelson Dias, Presidente da associação IN LOCO Adriano Miranda/Público
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Querença Adriano Miranda/Público
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Existem montados abandonados Adriano Miranda/Público
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Bruno Rodrigues, Empresário Adriano Miranda/Público
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Serra do Caldeirão Adriano Miranda/Público
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Susana Martins, projecto turístico "Rota da Cal" Adriano Miranda/Público
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Adriano Miranda/Público

A notícia propagou-se como uma esperança para as aldeias da beira-serra e da serra: a Universidade do Algarve (UAlg) ia sair do campus e envolver-se, de forma directa, numa missão de resgate territorial. Volvidos cinco anos, o Projecto Querença mostra alguma dinâmica económica, mas nem um novo morador. O que aconteceu?

Pode não se avistar vivalma ao subir o monte de Querença, a 10 quilómetros da cidade de Loulé. Casas caiadas de branco cobrem a encosta até à Igreja de Nossa Senhora da Assunção. De repente, um palco nu, um museu com a porta aberta, restaurantes prontos para servir galo de cabidela ou galinha cerejada.

Em Setembro de 2011, nove jovens, de diferentes áreas do saber, instalaram-se numa destas casas térreas para identificar recursos locais, estudá-los, trabalhá-los. E ter ideias que pudessem agitar a economia, gerar emprego. Esse seria o primeiro passo para recuperar um território que ameaça desaparecer.

A palavra “interior” pode causar estranheza tão perto da costa. Mais consensual será a expressão “baixa densidade”. Até pelo peso do sector do turismo, os moradores preferem a proximidade da praia. Nas freguesias a Norte (Alte, Querença, Ameixial), quase só restam idosos. Em 2011, moravam 759 pessoas em Querença. Meio século antes, 2641.

Novo mercado entusiasmou habitantes

O despovoamento não levara a extensão de saúde, a escola de primeiro ciclo, o polidesportivo, o salão de festas. Anos antes, um programa de revitalização até trouxera novos equipamentos. E isso foi determinante na escolha. “Não queríamos ir para um terreno inóspito”, esclarece João Ministro, coordenador técnico do projecto promovido pela UAlg, em colaboração com a Fundação Manuel Viegas Guerreiro, com apoio da junta e da câmara. O declínio, ali, seria reversível.

Sara Fernandes sobressaía naquele primeiro grupo. Terminara o mestrado em marketing e não queria tornar à origem, a Lisboa. Foi investida da missão de desenvolver iniciativas de promoção e comercialização dos produtos locais. “Assim, a curto prazo, podíamos criar um evento no qual as pessoas pudessem vender o seu excedente”, lembra.

Tantos mercados há por esses cabeços fora. Naquela altura, não havia. E os moradores entusiasmaram-se com a possibilidade de fazer um mercado mensal. “Começaram a fazer doçaria tradicional, pão em forno de lenha e outras coisas”, prossegue. E a assumir um papel activo no programa paralelo, que tanto podia ser um passeio interpretativo como uma oficina de artesanato ou gastronomia. O mercado resiste, mas, para se distanciar da concorrência, passou a acontecer quatro vezes por ano, uma em cada estação, com programa reforçado.

Os idosos acolheram bem os jovens. Cederam-lhes mais terreno do que eles eram capazes de usar. Envolveram-se nas suas actividades. E isso, para João Ministro, mostra que parte do caminho foi percorrido. O resultado, porém, ficou aquém. Os jovens foram desafiados a desenvolver ideias de negócio, a criar o próprio emprego”. “Ainda que muitos tivessem a ideia e a vontade, não assumiram o risco”, lamenta. “Havia alguma imaturidade.”

Sem capital para investir

Visto de fora, não foi só a juventude. O contexto era de estágio financiado pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional. “Eles até podiam ter muitas ideias, mas à partida não teriam capital para investir”, concede Nelson Dias, presidente da In Loco – associação de desenvolvimento e cidadania.

Houve nova experiência em 2014. Dessa vez, seleccionaram “jovens um pouco mais velhos e com uma ideia do que gostariam de fazer”. “Não ficaram cá a residir, mas trabalharam cá e aproveitaram recursos da primeira fase. Das quatro pessoas saíram quatro iniciativas empresariais”, assegura João Ministro.

O arquitecto paisagista João Marum, natural da freguesia, participou nas duas fases. “Não podia deixar passar a oportunidade”, diz ele. “Sempre gostei do meio rural.” Na primeira fase, acatou a missão de criar um viveiro de plantas autóctones e de delinear projectos de jardinagem sustentável. Finda a aventura, dedicou-se aos projectos, mas não esqueceu o resto e decorrido um ano estava a fazer jardins.

“A relva consome muita água, leva produtos químicos, o que é mau. Há um tipo de cliente, com uma consciência mais ecológica, que prefere plantas autóctones, telas e inertes, que mantêm a humidade do solo. Também há o que está farto de pagar água”, explica. Aproveitou a segunda fase para desenvolver a empresa: faz projectos, constrói jardins, tem um viveiro.

Susana Martins, uma rapariga da cidade de Loulé, foi desafiada a participar. Terminara o mestrado em História. Defendera uma tese sobre produção de cal. “Nunca tinha pensado em transformá-la num produto turístico”, conta. Criou uma rota da cal e do barro que começa aqui, em Querença, e que se estenderá a outras aldeias do barrocal, a faixa entre a serra e o litoral. Propõe-se “mostrar o território através da história, seguindo os vestígios dessa actividade, que terminou por volta dos anos 60/70”. E já preparou outras rotas para desviar turistas da costa.

Barra energética local

Bruno Rodrigues fez mais do que estava à espera. Entrou decidido a dar corpo à Algarve Trail Running, uma associação desportiva destinada a dinamizar a corrida em trilhos. Já outros tinham ido à gaveta da UAlg buscar uma barra energética desenvolvida no laboratório de engenharia alimentar. Havia que aperfeiçoá-la. “Como atleta, fui a cobaia. Levava-a para as provas. Passava horas à chuva, no bolso, ou ao calor, no carro”, revela. Agora, comercializa-a.

A barra sai dos fornos da Fábrica da Amêndoa, no centro de Loulé, em pequenas tiras e é embalada em Querença, de onde provêm a matéria-prima. “No início do ano, falamos com produtores de figo, amêndoa, alfarroba e mel para comprar o que vamos precisar”, diz Bruno. “Isto também é uma forma de incentivar a ligação à terra, a produção agrícola. Vejo que as pessoas já se preocupam mais. Limpam as alfarrobeiras, as amendoeiras...”

Como é que nem um jovem se mudou para o interior? “Alguns quiseram, mas há um problema de habitação”, esclarece João Ministro. A legislação condiciona a construção em 90% do concelho e a especulação imobiliária faz o resto. “Mesmo para arrendar, os preços não são convidativos. É mais barato o centro de Loulé do que Querença.”

Mau sinal? “O facto de este projecto vir da universidade é muito interessante, mas tem de se transformar numa parceria real e duradoura com parceiros locais”,  avisa o geógrafo João Ferrão, da Universidade de Lisboa. “Se assim não for, a universidade tem a sua dinâmica própria e acaba por não resolver problemas como este da habitação.”

"Balanço positivo"

João Ministro reconhece que falta trabalhar essa vertente. “É uma ideia que temos em carteira e que temos de discutir com as entidades locais: nestas aldeias do interior, tem de se criar bolsas de alojamento a custo controlado.” Questionado pelo PÚBLICO, o presidente da câmara, Vítor Aleixo, admite que essa é uma hipótese a considerar.

O autarca faz “um balanço positivo” do Projecto Querença. Importa-lhe diversificar a economia do município, muito assente no turismo de sol e praia marcado por uma forte sazonalidade, para já quase só atenuada pelo golfe. “São empresas que estão a nascer. Se não houver micro economia, pequenas empresas, as pessoas não se fixam”.

Só João Marum vive na freguesia – em casa dos pais. “Os outros não ficaram em Querença, mas não foram para longe, ficaram em Loulé ou em Faro”, sublinha Filipe Cunha Lima, que se debruçou sobre o projecto ao fazer doutoramento em turismo. “Há organizações que estão se formando, se fortalecendo, e isso também ajuda a fortalecer o todo. Há uma dinamização que pode não ser vista quando a gente anda na rua mas que é significativa”, prossegue. “O sucesso destes projectos de dinamização dos territórios despovoados não pode ser medido a curto prazo.”

O processo está em curso. Acaba de nascer a QRER - Cooperativa para o Desenvolvimento dos Territórios de Baixa Densidade, que reúne gente que passou pelo projecto e não só. “Para o ano, vamos lançar uma nova fase do projecto”, anuncia João Ministro. “Acho que nos vamos inspirar no segundo modelo, ou seja, vamos à procura de pessoas que tenham já uma ideia daquilo que acham que tem viabilidade neste território e vamos criar um sistema de apoio.”

Os repórteres percorreram o país com o apoio da bolsa de criação jornalística “Aquele outro mundo que é o mundo”, atribuída pela ACEP, a Associação Coolpolitics, o CEIS20/UCoimbra e o CEsA-ISEG/ULisboa, com financiamento da Cooperação Portuguesa e da Fundação C. Gulbenkian.

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