Destroços dão à costa em Sintra sem rasto dos cinco pescadores desaparecidos

Alerta foi dado por um sexto tripulante que conseguiu salvar-se. Tripulação é de Vila do Conde e Póvoa de Varzim.

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Fotos Enric Vives-Rubio
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“S.M. Anjos”. As palavras inscritas nas caixas laranjas, cinzentas e verdes depositadas ao acaso no areal molhado e nos rochedos da Praia das Maçãs não deixam dúvidas. O material de armazenamento de pescado, uma bandeira e os restos de madeira de um barco pertencem à Santa Maria dos Anjos, a embarcação que naufragou ao largo de Sintra na madrugada desta quarta-feira. Seguiam seis pescadores a bordo. Um conseguiu nadar até à costa e sair por uma zona de arribas próxima daquela praia, o Mindelo, dando o alerta. Dos outros cinco não há sinal. Há, sim, os olhos de mais de 100 pessoas nas operações de socorro que decorrem no mar e com equipas a bater a costa – acompanhadas de perto por outros tantos olhos dos curiosos que não abandonam o local.

A força das ondas do mar abafa as conversas feitas sempre de olhos postos no mar e quase se sobrepõe às hélices do EH-101 da Força Aérea Portuguesa. A subida da Praia das Maçãs para as Azenhas do Mar, a norte, é ponteada por um cordão que gente que acorreu à costa para acompanhar os trabalhos, entretanto alargados até à Praia Grande, que fica a sul. Lá em baixo, vários bombeiros procuram, com sugestões vindas de cima, restos que possam pertencer ao barco de 11 metros que terá naufragado cerca das 3h. As mãos metem-se nas rochas e recolhem tudo: restos das caixas de plástico, cordas, redes, pedaços de madeira. Também há moradores que arriscam descer e ver mais de perto o que resta do barco ainda desaparecido. Outros aproveitam o passeio do cão para ignorar os alertas sobre as arribas e chegarem mais perto.

Manuel Assunção e Joaquim Bento foram marinheiros na década de 1980 e esta quarta-feira acompanham tudo a partir de um miradouro. A vida afastou-os, mas faz já vários anos que os voltou a juntar nesta zona. “Quando acontece alguma coisa no mar a gente não esquece que foi marinheiro. É diferente de um outro acidente”, conta ao PÚBLICO Joaquim Bento, sem desviar o olhar lá de baixo e da corveta Baptista Andrade da Marinha, encaminhada para o local para ajudar nas operações de busca da embarcação tripulada por pescadores da comunidade piscatória de Vila do Conde e Póvoa de Varzim.

“O mar aqui é sempre ruim, mas hoje está muito picado e de noite ainda estava pior”, acrescenta Manuel Assunção, numa frase repetida à exaustão por vários dos presentes. Esperança é uma palavra que quase não é utilizada no local e que vai desaparecendo a cada novo destroço. A zona de rebentação fica quase a perder de vista, com a espuma branca e amarela a prolongar-se para o horizonte coberto de uma neblina húmida que não facilita a visão, mesmo a quem traz binóculos.

As percepções sobre o mar são confirmadas ao PÚBLICO pelo comandante da Capitania do Porto de Cascais. A zona de rebentação é, aliás, a principal dificuldade para as equipas. Mário Domingues explicou que “o mais relevante, tantas horas após o sinistro, é cada vez mais o mar”. “A operação não está muito dependente dos recursos empregues, que são substanciais, está dependente sobretudo do local onde poderá ter ocorrido o sinistro”, acrescentou. Segundo explicou, as manobras são mais complicadas caso o naufrágio tenha ocorrido para cá da zona de rebentação e é nessa área que as equipas têm estado a trabalhar com mais dificuldade.

O facto de ao longo de todo o dia terem dado à praia várias partes da embarcação, deixando claro que esta se desfez, indicia que o acidente possa ter acontecido bastante perto da costa, já em zona de rebentação. O sobrevivente, Henri ferreira, de 26 anos, conseguiu chegar à praia numa balsa, segundo explicou ao guarda-nocturno que o encontrou a pedir ajuda numa zona residencial. O homem, um luso-francês, subiu uma arriba íngreme e, quando foi abordado por Eduardo Gil, que faz vigilância na zona, explicou que outros dois pescadores seguiam atrás de si, noutra balsa, mas que deixara de os ver.  

O sobrevivente foi observado no Hospital Fernando da Fonseca (Amadora Sintra) e durante a manhã teve alta e foi ouvido na capitania de Cascais para ajudar a localizar os companheiros. A sua primeira versão aponta para a possibilidade de o contra-mestre, que seguiria ao leme, ter adormecido enquanto navegavam. Dado o alerta, ao longo do dia realizaram-se buscas em terra, numa linha de vários quilómetros, e no mar. Além do helicóptero e da corveta, as operações contaram também com bombeiros, Polícia Marítima e duas embarcações das estações salva-vidas de Cascais e Ericeira, em colaboração com a embarcação de pesca Fruto da União.

Comprado no Algarve por um conhecido armador da Póvoa de Varzim, Eduardo Cruz, o Santa Maria dos Anjos estava a pescar no sul do país, como acontece com várias embarcações da comunidade piscatória de Vila do Conde/Póvoa, cujos donos procuram pesqueiros longe de casa em busca de maior rendimento. A embarcação tinha saído de Peniche na noite de terça-feira e dirigia-se para a zona ao largo de Cascais. Era governada pelo mestre Manuel José da Silva, das Caxinas, e além de um tripulante ucraniano seguiam a bordo quatro pescadores desta zona do país que quase todos os anos é notícia por causa de naufrágios.

Alguns familiares dos pescadores optaram por seguir para Sintra para acompanhar as buscas que, interrompidas ao cair da noite, são retomadas esta quinta-feira de manhã, ao nascer do dia. A Câmara de Vila do Conde disponibilizou uma carrinha para os familiares e a própria líder da autarquia viajou para Sintra, acompanhada da vereadora Lucinda Delgado, do município da Póvoa de Varzim.

Barras fechadas e avisos amarelos
O naufrágio acontece num dia em que cinco barras marítimas estão fechadas à navegação e outras três condicionadas devido à agitação marítima, prevendo-se ondas até cinco metros, informou a Marinha Portuguesa no seu site. As barras marítimas de Caminha, Vila Praia de Âncora, Esposende, Póvoa de Varzim e São Martinho do Porto estão fechadas à navegação devido à previsão de agitação marítima forte, diz a Lusa. A Marinha informa também que as barras da Figueira da Foz e de Aveiro estão fechadas a embarcações de comprimento inferior a 11 e 15 metros, respectivamente.

Por causa da agitação marítima, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) colocou também nesta quarta-feira sob aviso amarelo dez distritos do continente. De acordo com o IPMA, os distritos de Viana do Castelo, Braga, Porto, Aveiro, Coimbra, Leiria, Lisboa, Setúbal, Beja e Faro vão estar sob aviso amarelo entre as 15h desta quarta-feira e as 19h de sexta-feira, prevendo-se ondas de noroeste com quatro a cinco metros.

Na sexta-feira, os distritos de Coimbra, Leiria e Lisboa vão passar (entre as 6h e as 19h) a aviso laranja, o terceiro mais grave de uma escala de quatro. O aviso laranja corresponde a uma situação meteorológica de risco moderado a elevado, enquanto o amarelo é emitido pelo IPMA sempre que existe risco para determinadas actividades dependentes do tempo. com Abel Coentrão

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