Chegar ao destino? Só ao terceiro comboio

Ir de Setúbal a Santarém de comboio implica apanhar, pelo menos, três composições. O mesmo acontece da Amadora para Leiria. Ou do Barreiro para Beja. São só exemplos. CP diz que da electrificação de linhas depende alargamento dos serviços directos.

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Fábio Augusto

Da Amadora a Leiria são só 150 quilómetros. Ambas as cidades são servidas pela linha do Oeste, mas para viajar entre ambas é preciso apanhar, pelo menos, três comboios. O passageiro tem de apanhar um suburbano até ao Cacém ou Meleças, depois uma automotora para as Caldas da Rainha, onde muda para outra até Leiria (ou S. Martinho do Porto ou Marinha Grande). Demorou mais de três horas, a uma média de 50 km/hora, mas teve tempo para apreciar as verdes colinas do Oeste.

E que tal experimentar ir de Setúbal a Santarém sobre carris? Estamos a falar de duas cidades próximas da área metropolitana de Lisboa, separadas por 120 quilómetros, dotadas de boas infraestruturas ferroviárias. Mas só ao terceiro comboio é que se completa a viagem. Primeiro passo: ir de Setúbal a Pinhal Novo num suburbano da CP ou da Fertagus. Segundo passo: apanhar para a Gare do Oriente, em Lisboa, um Intercidades vindo do Algarve ou do Alentejo. Terceiro passo: mudar para um comboio para Santarém, onde se chega duas ou três horas depois, consoante os tempos de espera dos transbordos.

Ainda Setúbal. Desde que há cinco anos a CP acabou com os comboios directos desta cidade para o Algarve, qualquer sadino que queira ir para Portimão ou Lagos tem de apanhar três composições: uma para o Pinhal Novo, outra para Tunes e uma terceira para o ramal de Lagos. A viagem demora três horas e meia.

Investimentos de electrificação

É conhecida a forte relação do Barreiro com o Alentejo, de onde descende grande parte da sua população. Durante mais de cem anos houve comboios directos entre as duas cidades, mas hoje, para percorrer sobre carris os 150 quilómetros que as separam são também necessários três comboios e dois transbordos: Barreiro – Pinhal Novo, Pinhal Novo – Casa Branca e Casa Branca – Beja.

A viagem até é relativamente rápida (cerca de duas horas), mas as rupturas de carga (transbordos) desincentivam o uso do comboio, sobretudo por parte da população idosa, menos predisposta a subir e descer carruagens e plataformas, muitas vezes com sacos e malas.

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Com o fim dos Intercidades de Lisboa para Beja, em 2006, e o encerramento do troço Beja – Funcheira em 2011, o serviço ferroviário nesta capital de distrito ficou reduzido a uma automotora que faz ligações a Casa Branca. Daí que, por exemplo, de Beja para Vila Franca de Xira, sejam necessários também dois transbordos (em Casa Branca e Lisboa). São só 200 quilómetros, mas são precisos três comboios e três horas para os percorrer.

Contactada a CP, fonte oficial da empresa disse ao PÚBLICO que tem havido um esforço com esta administração para evitar os transbordos, de que é exemplo o prolongamento de mais serviços de longo curso de Lisboa para Guimarães e Braga.

Contudo, faz ainda saber a CP, só depois de se concretizarem os investimentos de electrificação de linhas (da responsabilidade da Infraestruturas de Portugal), é que será possível cobrir mais destinos com serviços directos.

Perdeu-se o efeito de rede

O comboio foi inaugurado há 160 anos (a 28 de Outubro de 1856) num pequeno troço entre Lisboa e o Carregado. A geografia ferroviária do país expandiu-se, alcançou todos os distritos e cidades, mas depois encolheu, foi sendo amputada e sobra hoje um grande eixo litoral com algumas linhas secundárias.

Perdeu-se assim o efeito de rede que é uma das vantagens do sistema ferroviário. Em Portugal não há uma rede – há percursos, há itinerários entre uma origem e um destino, sem cuidar das ligações a outras linhas.

Daí que – outro exemplo – entre Tavira e Évora não se consiga viajar sem apanhar também três comboios: uma automotora para Faro, o Alfa ou o Intercidades para Pinhal Novo e depois outro Intercidades para Évora. A viagem é longa (394 quilómetros porque é preciso ir ao Pinhal Novo e depois andar para trás) e demora quase quatro horas e meia.

A CP proporciona ainda mais experiências com o pacote “dois transbordos três comboios”. Veja-se o caso de Torres Vedras – Aveiro. Há linhas, há comboios, mas as mudanças são incontornáveis: a primeira na estação das Caldas da Rainha e a segunda em Coimbra. Esta viagem de 240 quilómetros pelo litoral do país – numa região densamente povoada e onde seguramente não há falta de mercado – demora quatro horas.

Há mais: de Abrantes à Figueira da Foz são 250 quilómetros e as várias combinações permitem fazer a viagem entre duas horas e meia a quatro horas e meia. O passageiro muda de comboio duas vezes, uma no Entroncamento e outra em Alfarelos.

No Norte, a existência de comboios directos do Porto para o Minho e o Douro permite combinações mais directas, mas deixam de fora localidades mais pequenas. Por exemplo, de Valadares para Midões (às portas de Barcelos) também é preciso apanhar três comboios (dois suburbanos e um regional). Para percorrer apenas 55 quilómetros.

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