Cardeal acusa ex-número 2 do Vaticano de encobrir pedofilia

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Angelo Sodano com Bento XVI Alessandro Bianchi/Reuters (arquivo)

O episódio confirma o grau de encobrimento e a dimensão da crise que os escândalos de pedofilia estão a provocar na Igreja: o cardeal de Viena, Christoph Schönborn, considerado próximo do Papa, acusou o cardeal Angelo Sodano, decano do Colégio Cardinalício, de ter travado a investigação de abusos sexuais durante o tempo em que foi número dois do Vaticano, entre 1990 e 2006.

Schönborn acusou Sodano de, em 1995, ter impedido o então cardeal Joseph Ratzinger de investigar alegações de abusos sexuais pelo então arcebispo de Viena, cardeal Hans Herman Groër, que deixou o posto em 1995 e veio a morrer em 2003, sem alguma vez ter admitido abusos.

O caso, divulgado pela agência católica austríaca Kathpress no sábado, mereceu grande atenção da imprensa italiana. "Guerra no Vaticano sobre pedofilia", escreveu Il Giornale. Já no mês passado, recordou a Reuters, o National Catholic Reporter, dos EUA, acusara Sodano de ter fechado os olhos aos abusos sexuais do fundador dos Legionários de Cristo, Marcial Maciel. O antigo secretário de Estado, já retirado, ainda não reagiu.

O relato do cardeal austríaco reforça anteriores indicações de que Ratzinger teria sido impedido de avançar com investigações. O mesmo Schönborn confidenciou noutra ocasião a jornalistas, a propósito do caso Maciel, um desabafo que lhe teria sido feito por Ratzinger: "Eles ganharam." Independentemente do papel de cada protagonista, as revelações mostram a gravidade da crise provocada pela pedofilia.

O fim-de-semana passado trouxe outros desenvolvimentos: dois padres foram suspensos na diocese alemã de Würzburg, por suspeita de abuso sexual de menores, e o Papa aceitou o pedido de demissão apresentado no mês passado pelo bispo Walter Mixa, de Augsburgo, que admitiu ter batido em menores e está a ser investigado pelo Ministério Público por alegados abusos sexuais.

A demissão de Mixa foi a primeira de um bispo na Alemanha, um dos países onde, nos últimos meses, as denúncias de abusos sexuais pelo clero se tornaram frequentes. Não sendo novidade - nos anos 90 várias dioceses dos EUA pagaram avultadas indemnizações a vítimas -, a revelação de casos de pedofilia aumentou depois da divulgação, no ano passado, de investigações na Irlanda, onde, desde 2008, seis bispos ou bispos auxiliares pediram a demissão que Bento XVI aceitou em quatro situações. A Bélgica, onde há poucas semanas um bispo também se demitiu, a Holanda, o México, o Canadá, os EUA e o Brasil são outros países onde o escândalo irrompeu.

O Papa já pediu desculpas, mas isso não parece bastar para reparar os danos de uma crise que, nas palavras do teólogo suíço Hans Kung, "ganhou dimensões inauditas". Em declarações ao diário italiano La Repubblica, este crítico de Bento XVI, de quem em tempos foi próximo, disse que os abusos produziram uma "crise de confiança" na Igreja e manifestou receio de que o Vaticano não tenha percebido a "exacta dimensão do que está a acontecer". Por isso, aconselha o pontífice a nomear um "comité de sábios" que o ajude a tomar decisões.

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