Cais do Sodré

Não faço a mais pequena ideia de como será a vida de universitário. Não sei se estou pronto para tudo isso, talvez não seja a altura para pensar nisso, talvez seja altura para arranjar um amor de Verão, uma suave paixoneta.

E porque a estrada é infinita e o teu coração nómada, fugimos juntos naquele samba de cordas. Sinto o meu peito a flamejar, impaciente pelo teu olhar cândido, pelo teu toque inocente e ardoroso na minha pele devassa. Talvez o Verão não seja para nós mas, mesmo assim, o meu coração estremece, infantil quando oiço o teu toque delicado no portão da minha casa. Serei louco por desejar perder-me na luz incandescente dos teus sedosos cabelos morenos. Talvez nos devêssemos ter beijado naquela noite. Não faz grande diferença agora, faz?

Lisboa adormecida corre nas minhas veias enquanto te vejo dançar, vestido verde, lábios cítricos. Se o tempo parasse, era infinito neste lugar. Se o tempo parasse, era o puto mais feliz do mundo. Mas eu não sou mágico, sou vadio e tu, dentro dessa tua caixinha, tens todo o universo. Por isso, vem! Correremos descalços, sem parar, por entre os campos floridos de Agosto! Deixa a faculdade para amanhã, o Verão é nosso! Sorri para mim, só mais uma vez.

Mas, de manhã cedinho, enquanto o Sol preguiçoso se começava a erguer lá no vasto, salgado mar, paraste de tocar Simone e deixaste-me afogar em Edith Piaf, ainda vislumbrei a tua sublime silhueta a fugir naquela brisa ofegante de Julho. Tentei procurar-te, os meus dedos vacilantes percorreram aquela porta de madeira por onde os carnais raios do pôr-do-sol iluminavam o teu cabelo apanhado, enquanto bebias café e fumavas o teu excitante e eterno cigarro. Agora a cozinha, que antes emanava calores exóticos e sabores deslumbrantes, é apenas uma cozinha desgastada e a cair de podre. Caí em mim, sabia que não irias voltar, sabia que se tivesse dito alguma coisa, se tivesse deslizado serenamente a minha mão sobre o teu rosto ainda estarias aqui, ainda estaríamos a criticar tudo e todos, podíamos ruir carinhosamente num abraço puro, podíamo-nos refugiar dentro do oceano de veludo que corre através dos meus lençóis, esconder-nos-íamos do mundo. Mas tu fugiste para ser o horizonte infinito que os teus olhos ansiosamente cobiçavam e eu fiquei preso nesta cadeira de plástico a espectar o Verão a encher os pulmões das crianças lá fora que vão descendo, incansavelmente, aquele escorrega vermelho.

Como uma rosa fechada num pequeno frasco de vidro, vou deambulando sem destino pelos trilhos de ferro de uma antiga estação de comboios. Não sei o que procuro, sinceramente, só quero respirar. Podia-te ligar mas quererei mesmo saber o que estarás a fazer? Para além do mais, começo a habituar-me ao conforto que a solidão me trás, à segurança da minha insanidade. Sento-me num café qualquer, peço uma meia de leite e pesquiso uma gigantesca lista de cursos e respectivas médias, traço um plano: estudar até os livros se tornarem um vício, arranjo um trabalho e viajo. Não faço a mais pequena ideia de como será a vida de universitário. A minha avó terminou, há pouco tempo, a licenciatura e só Deus sabe a pressão e nervos que ela teve de enfrentar. Não sei se estou pronto para tudo isso, talvez não seja a altura para pensar nisso, talvez seja altura para arranjar um amor de Verão, uma suave paixoneta.

O Verão faz-se de pés descalços e de alma ao relento.

18 anos, à espera de ingressar no ensino superior

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