Bombeiros prevêem fase de incêndios “muito difícil” potenciada pelas falhas na prevenção

Nem o reforço dos meios de combate aos incêndios tranquiliza o presidente da Associação Portuguesa de Bombeiros Voluntários, que retira das fases Alfa e Bravo uma “perspectiva assustadora”.

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Dirigentes garantem que falhas na prevenção de incêndios desmotiva os bombeiros Foto: Paulo Pimenta

A fase Charlie - período mais crítico de incêndios - deverá ser “muito difícil” e “com um grande risco para os bombeiros”, segundo previsões dos presidentes da Liga dos Bombeiros Portugueses e da Associação Portuguesa dos Bombeiros Voluntários (APBV). Os responsáveis garantem que a situação é potenciada pela falta de investimento na prevenção dos incêndios florestais e foi manifesta nas fases anteriores.

Um Verão eventualmente quente e seco, conjugado com muita vegetação rasteira resultante das fortes chuvas do Inverno que funciona como combustível, faz temer uma fase de incêndios muito trabalhosa para os bombeiros. Nem o reforço do número de operacionais e dos meios faz descansar os dirigentes dos bombeiros, que afirmam que o problema de base está na prevenção dos incêndios, que em Portugal funciona “como um caranguejo: anda devagar e de lado”, nas palavras de Jaime Marta Soares, presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses.

Marta Soares e Rui Silva, presidente da APBV, alertam para a urgência do ordenamento e limpeza das florestas e para a necessidade de mais e melhores acessos e resevatórios de água, bem como de uma maior fiscalização. Rui Silva considera que esta é também uma responsabilidade dos proprietários. Marta Soares, por sua vez, lembra ainda que o Estado é quem tem as florestas pior tratadas e pede uma reformulação da Lei dos Baldios.

Para o presidente da APBV, o “investir a montante e nunca a jusante” tem impacto naqueles que combatem os incêndios. “O que os bombeiros sentem é que não se justifica um empenho tão grande no combate aos fogos – que pagámos caro no ano passado – quando os responsáveis não fazem nada no sentido de prevenção desses”, afirma Rui Silva, para quem a situação desmotiva os bombeiros.

O dirigente dos voluntários considera que a problemática esteve patente nas fases Alfa e Bravo de combate aos fogos: “A perspectiva com que ficamos é assustadora”. Entre 1 de Janeiro e 30 de Junho, registaram-se cerca de 3200 ocorrências de fogo, um número "ligeiramente inferior" aos 3534 registados em igual período de 2013, segundo declarações de José Manuel Moura, responsável da Autoridade Nacional da Protecção Civil (ANPC), em conferência de imprensa na passada terça-feira.

Contudo, arderam 5591 hectares, o que representa um aumento face aos 4513 hectares ardidos no mesmo período de 2013. Rui Silva mostra-se preocupado com o facto de os incêndios terem demorado muito a ser controlados e extintos.

No que respeita a distritos, o do Porto foi o que registou maior número de fogos e o incêndio mais crítico foi o que deflagrou a 15 de Junho em Aboadela, no concelho de Amarante. Ao longo das duas fases, segundo dados disponibilizados pela GNR ao PÚBLICO, foram detidos em flagrante delito 14 pessoas e identificados 247 suspeitos por crime de incêndio florestal.

Reforço dos meios de combate
Perante o cenário negro da época de incêndios do ano passado – em que morreram oito bombeiros e um autarca, e arderam mais de 145 mil hectares – o Ministério da Administração Interna reforçou o investimento no Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais (DECIF), que terá este ano um custo de 85 milhões de euros, mais 14 milhões de euros do que em 2013.

A fase Charlie começou na terça-feira e prolonga-se até 30 de Setembro. Nos dois primeiros dias foram registadas 50 ocorrências, substancialmente menos do que em período homólogo, para que contribui o estado do tempo, com temperaturas mais baixas e períodos de chuva.

Para esta fase mais crítica estão mobilizados 9697 operacionais (mais 360 elementos do que em 2013), 2220 equipas das diferentes forças envolvidas (Bombeiros, GNR, PSP, ICNF, entre outras), 2027 viaturas (mais 51 do que no ano passado) e 49 meios aéreos (eram 45 em 2013), além de 237 postos de vigia da responsabilidade da GNR. As corporações de bombeiros foram também reforçadas com 2600 rádios SIRESP (Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal).

Marta Soares diz que este é “o melhor DECIF [dispositivo de combate] desde sempre”, mas não deixa de criticar o atraso na entrega de viaturas e a falta de equipamentos de protecção individual: “É um descuido grosseiro e grave”, afirma.

O presidente da Liga, tal como já havia feito o ministro Miguel Macedo, mostra-se preocupado com o facto de a maioria das corporações enfrentar a fase mais crítica dos incêndios florestais sem equipamentos de protecção não inflamáveis. O dirigente assegura que a falha terá grande impacto na confiança e atitude dos bombeiros no terreno.

Ambos os presidentes falam numa evolução na formação dos bombeiros. Contudo, para Rui Silva “não foi a formação necessária, foi a possível”. O responsável dos bombeiros voluntários pede mais investimento na formação, principalmente das chefias e na especialização dos bombeiros.

Rui Silva denuncia falhas também na articulação e comunicação entre as corporações, as autarquias e a ANPC. Para o dirigente, no combate aos incêndios deste Verão “está tudo nas mãos de S. Pedro porque, de resto, foi feito muito pouco”.
 
Texto editado por Andrea Cunha Freitas

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