“Bebo o que achar que posso e me apetecer”

Nova lei do álcool parece não ter mudado nada: menores de idade continuam a beber à vista de todos.

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A zona de Santos, em Lisboa, é uma das mais procuradas pelos adolescentes

Os bancos de jardim com mesa ao meio servem de poiso aos três amigos no recanto da Av. D. Carlos, a poucos minutos de caminho dos bares de Santos, em Lisboa, O mais novo levanta o copo de plástico de sete decilitros e meio, quase numa bravata: “Eu tenho 16 anos e acabei de comprar esta cerveja num bar”.

Os outros dois confirmam: pouco mudou com a lei que proíbe a venda de álcool aos menores de 18 anos, em vigor desde Julho. E se ainda é cedo para avaliar o impacto da proibição nos bares lisboetas de Santos, os relatos de quem já testou a lei seca  não deixam margem para dúvidas: seja por ausência de fiscalização ou pelo uso de estratagemas, quem quiser continuar a beber vai continuar a fazê-lo, seja qual for a sua idade.

“Então agora vão dizer às pessoas de 16 anos que até aqui a lei deixava beber cerveja e vinho que já não podem? Dão-lhes o chupa e depois tiram-lho?!”, indigna-se Luís, de 14 anos. Aluno num colégio de Lisboa e filho de um advogado, Luís mantém-se firme na decisão de não abdicar da bebida só porque o Estado resolveu fazer uma lei cujos fundamentos afirma não compreender. “Não me parece haver uma razão de força maior para terem subido a idade mínima. Se existe, não a explicaram. Falam em estudos sobre os malefícios do álcool – mas essas conclusões já existiam no tempo dos meus pais”.

Pais esses que de resto, garante, não o proíbem de beber – mas apenas de cometer excessos como o de Novembro passado, quando acabado de sair dos 13 anos, teve de ser arrastado de Santos pelo irmão mais velho quase em coma alcoólico, agarrado a uma garrafa de vodka. Diz que calculou mal a quantidade da mistura com Coca-Cola que emborcou com os amigos ao desafio, e parte da noite apagou-se-lhe da memória. “Apanhei um grande susto e uma grande vergonha. Foi uma lição, jurei para nunca mais”. Parar de beber, isso é que não: “Bebo o que achar que posso e me apetecer”.

Mais velhos ajudam Santos
Este Verão, já de férias, comprovou como é fácil contornar a nova lei num café de praia, mesmo quando o corpo não aparenta mais idade do que aquela que se tem. “Pediram-me o bilhete de identidade e respondi que me tinha esquecido dele em casa. Depois, à frente do empregado, virei-me para um amigo mais velho e pedi-lhe: ‘Olha, paga aí uma’”. E a noite continuou. Há discotecas que entregam aos menores uma pulseira distintiva, explica. Mas depois de lá entrarem tudo é “mais difícil de controlar”. Se houver entraves, mandam o mais velho ir ao bar abastecer-se para os outros. Ou usam o bilhete de identidade de outra pessoa.

É verdade que desde que a nova lei existe começou a aparecer mais polícia nos estabelecimentos de diversão nocturna, admite Luís. “Mas a polícia não vai ficar nos bares para sempre”, constata o adolescente, para quem a proibição pode, inclusivamente, vir a ter efeitos contraproducentes, ou não fosse o fruto proibido o mais apetecido: “Os miúdos têm muita curiosidade”.

Já maior de idade, o irmão de Luís lembra-se dos tempos em que “bebia como um animal”. Tinha 14 anos, e guarda dessa altura uma recordação dolorosa: um ombro que nunca mais voltou ao que era depois de ter insultado um agente do corpo de intervenção numa noite de copos. “Com essa idade conseguia comprar todo o álcool que queria. Achava-me invencível. Apanhei porradão do polícia, estraguei o ombro por causa de uma bezana”. Passou a noite na esquadra e ainda teve de responder em tribunal. E se não lhe agrada hoje ver os putos de Santos, como lhes chama, aos bordos e a beberem que nem doidos até vomitarem, pensa que não é com a nova lei que as coisas vão mudar.

“Bebemos porque nos deixam”, resume outra frequentadora de Santos, garrafa de moscatel na mão, a caminho de um bar. “A nova lei?! Mas que lei, se quando vou ao supermercado não me pedem identificação?”. E repete, para que não restem dúvidas: “Lei? Qual lei??? Nem os pais têm mão nos filhos”.

Um dos rapazes do banco de jardim não se conforma, e nem a cerveja que vai desaparecendo do copo faz esvair-se-lhe o apelo. “Oiçam, encarem a realidade tal como ela é – e não com a hipocrisia desta nova lei”. Habituado a beber, ficou impressionado com o miúdo que lhe apareceu à frente nestas férias na costa alentejana a pedir-lhe que lhe comprasse uma cerveja. “Era da altura da minha irmã, que tem oito anos. Garantiu-me que tinha onze. Já estava meio aos esses, tinha bebido três cervejas e disse-me que só parava à décima”. Não lhe comprou nada, mas passado cinco minutos viu-o de copo na mão: outro rapaz já lhe tinha providenciado a bebida seguinte.

“Esta lei é uma hipocrisia, vai sempre haver consumo”, insiste o estudante. “Mais vale registarem no chip do cartão do cidadão aquilo que se bebe – e limitar dessa forma a quantidade, em vez de proibir. Porque o cenário vai ser sempre o mesmo, independentemente das leis”.

O mais novo dos três amigos empilha os copos de plástico já vazios na mesinha de jardim. Ainda não é 1h da manhã e os três amigos já despejaram mais de quatro litros de cerveja. “Para ficar bêbado preciso de muito mais do que isto”, diz um deles, à laia de despedida.

 

 

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