Estudo feito na Grécia revela que ataques cardíacos dispararam desde que começou a crise

Estudo comparou episódios clínicos antes e depois da crise e percebeu que o número de ataques cardíacos cresceu mais de 25%, sobretudo entre as mulheres.

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Muitas das medidas de austeridade têm afectado a área da saúde na Grécia Yorgos Karahalis/Reuters

A crise financeira e económica está a ter consequências directas na saúde nos gregos, com o número de ataques cardíacos a disparar, sobretudo entre as mulheres e as pessoas com mais de 45 anos, indica um estudo que será apresentado no encontro científico anual do Colégio Americano de Cardiologia, em São Francisco, nos Estados Unidos.

O estudo partiu da análise de 22.093 episódios clínicos que foram tratados pela unidade de Cardiologia do Hospital Geral de Kalamata – o único com Cardiologia na Zona Sudoeste do país – entre 2004 e 2011. Neste intervalo de oito anos, os autores dividiram os doentes em dois grupos: os que foram tratados entre Janeiro de 2004 e Dezembro de 2007 (antes do estalar da crise) e entre Janeiro de 2008 e Dezembro de 2011 (em plena crise e já durante o programa de ajuda externa da troika).

Os investigadores explicam que esta decisão teve como base a mudança no Produto Interno Bruto (PIB) da Grécia e que o número de episódios na unidade de Cardiologia daquele hospital, em cada um dos grupos, é semelhante, foi de 10.870, de 2004 a 2007, e 11.223, de 2008 a 2011. Portanto, números pouco díspares.

O trabalho permitiu perceber que, após o agravamento da crise financeira e económica na Grécia, o número de ataques cardíacos, incluídos nos episódios tratados na unidade de Cardiologia, disparou, com 1084 episódios no segundo grupo, contra 841 até 2007, o que representa uma subida de mais de 25%.

Além disso, destacam os autores, a incidência de ataques aumentou em todas as camadas da população, com mais 21% de ataques em doentes que tinham menos de 45 anos, mais 30% em pessoas com mais de 45 anos; mais 26% em homens e mais 39% em mulheres.

O factor stress
“As mulheres gregas têm uma taxa de desemprego mais alta do que os homens, são responsáveis por tratar das crianças e trabalham ao mesmo tempo fora de casa – uma fórmula para o stress”, resume Emmanouil Makaris, um dos cardiologistas do Hospital Geral de Kalamata, que conduziu o estudo.

Quanto ao crescimento da incidência de ataques nas pessoas acima dos 45 anos, os investigadores sublinham que, a partir destas idades, as oportunidades de emprego são muito limitadas e, ao mesmo tempo, surgem mais patologias do foro cardiovascular. “O desemprego é um factor de stress e o stress está muito relacionado com a doença cardíaca, assim como há outras coisas que surgem com as dificuldades financeiras”, acrescenta Makaris. E insiste: “Nestas alturas, muitas pessoas não têm dinheiro para comprar a medicação ou para ir ao médico de família. Há um grande crescimento das doenças cardiovasculares em todo o país e o custo para a sociedade é muito elevado”.

Agora os investigadores querem continuar a acompanhar estes dados e, se possível, estender a análise a todo o país, sobretudo a Atenas, que, por ser uma zona urbana, poderá estar a ter resultados ainda mais graves. Até lá, Emmanouil Makaris alerta que o país precisa de uma maior aposta na prevenção e que tanto profissionais de saúde como doentes saibam reconhecer os principais sinais e sintomas destas doenças, para que possam ir mais cedo ao hospital. E diz esperar que os governantes entendam que as medidas de austeridade, que têm incidido muito na área da saúde, estão a ter consequências graves, uma factura que, mais tarde ou mais cedo, a Grécia irá pagar.

Os dados apresentados por este estudo não são os primeiros conhecidos sobre a degradação das condições de saúde no país. Do aumento da taxa de suicídio às novas infecções por VIH/sida, vários têm sido os indicadores que fazem sentir o peso da crise e a mostrar que o sistema de saúde grego pode estar à beira do colapso. Em Janeiro, o economista da saúde grego John Yfantopoulos, professor da Universidade de Atenas, esteve em Lisboa para participar na conferência A Crise Económica e os Sistemas de Saúde, organizada pela Associação Portuguesa de Economia da Saúde, e deu uma entrevista ao PÚBLICO onde fez um relato de um país onde não param de crescer os números de infecções por VIH, os suicídios e o consumo de drogas. E apontou uma culpada que tem minado todas as tentativas de mudança no sistema: a corrupção.

Desemprego histórico
A Grécia está, desde Maio de 2010, sob um plano de ajuda externa liderado pela denominada troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia). Ao todo, desde que a crise começou, o PIB da Grécia caiu cerca de 25%, tendo registado níveis negativos na ordem dos 6% em 2012.

Na quinta-feira, o gabinete de estatística grego anunciou que a taxa de desemprego no país ficou nos 26,4% em Dezembro. Este valor representa uma queda de 0,2 pontos percentuais em relação aos 26,6% registados em Novembro, mas um agravamento de cinco pontos percentuais face aos 21,4% do mesmo mês de 2011. O número total de desempregados em idade activa atingiu assim os 1,32 milhões, de acordo com os dados citados pelo diário grego Kathimerini. Já o registo de população empregada aumentou em 40 mil pessoas entre Novembro e Dezembro, para os 3,67 milhões.

Receios em Portugal
O estudo sobre a Grécia surge na mesma semana em que foram apresentadas em Portugal as conclusões do estudo PHYSA – Portuguese Hypertension and Salt Study, que indicou que quase metade da população portuguesa sofre de hipertensão arterial – um factor de risco para ataques cardíacos. A boa notícia é que há cada vez mais doentes medicados e com a hipertensão controlada.

Contudo, na sequência deste estudo, Luís Martins, cardiologista e professor na Universidade Fernando Pessoa, alertou que a actual crise deverá “afectar profundamente” muitos dos resultados obtidos nos últimos anos, já que há muitos doentes a deixarem de comprar os medicamentos e de ir ao médico regularmente.

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