Associações pedem mudanças na lei para proteger vítimas de violência doméstica

Instituto de Apoio à Criança e Associação Portuguesa de Mulheres Juristas questionam segurança das vítimas nas questões de guarda e de visitas dos filhos depois do divórcio.

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A APMJ já entregou uma proposta de mudança da lei que está a ser analisada na subcomissão de Igualdade da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais Miguel Manso

Existem mães que viveram histórias de violência doméstica, conseguiram “fugir”, mas continuam em perigo porque há uma lei que obriga as vítimas a encontrarem-se com o agressor, quando este é o pai dos filhos. O alerta é lançado pelo Instituto de Apoio à Criança (IAC) e pela Associação Portuguesa de Mulheres Juristas (APMJ), que pedem alterações legislativas urgentes ao regime de regulação das responsabilidades parentais para proteger as vítimas de violência doméstica.

Em causa está a segurança das vítimas nas questões de guarda e de visitas dos filhos depois do divórcio, dizem. A presidente executiva do IAC explica que “em nome do interesse da criança estão a colocar-se em perigo as mães e os próprios menores”.

“Muitos dos homicídios são praticados já depois das separações”, lembra Dulce Rocha, explicando que “os agressores servem-se dos encontros, a propósito dos convívios com os filhos, para continuar a amedrontar, ameaçar, bater e até matar as ex-companheiras”.

Teresa (nome fictício) conheceu este perigo após a separação. O ex-marido foi condenado a dois anos e três meses de prisão, com pena suspensa, e proibição de se aproximar dela. “Ele tornou-se mais agressivo porque não queria separar-se. Não aceitou a rejeição e ficou descontrolado.” Mas os contactos mantiveram-se, porque “não estava inibido de se aproximar dos filhos”.

Dulce Rocha diz que se “romantiza muito” a relação entre pais e filhos e ignora-se o risco de violência. “É urgente alterar esta lei de 2008. São direitos humanos que estão em causa”, defende, sublinhando ainda “o terror” a que muitas crianças são submetidas por assistirem àquela “luta permanente, que é muito má para o seu desenvolvimento”.

Esta opinião é sustentada pelo psiquiatra Emílio Salgueiro, que acrescenta ainda o facto de muitas crianças se culpabilizarem pelas discussões dos pais.

Teresa sentiu isso e considera que o processo em tribunal foi “outra violência”: “Estou há cinco anos em tribunal e não consegui que os meus filhos fossem protegidos”, lamenta, adiantando que os dois filhos têm de fazer psicoterapia. “Se o tribunal tivesse tido uma resposta em tempo útil e tivesse inibido o pai durante algum tempo das responsabilidades parentais, se calhar isto não tinha acontecido.”

Teresa diz que conhece situações em que o pai mantém os comportamentos violentos, mas não se faz nada. “A mãe tem de estar escondida e o pai tem direito a ver os filhos. Não sei que bem isto pode fazer às crianças”, interrogou-se Teresa, que admite fazer queixa ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre esta situação.

Emílio Salgueiro diz que os filhos mantêm uma ligação afectiva ao agressor, mesmo quando vivem com a mãe numa casa de acolhimento. Muitas crianças dizem “eu gosto do meu pai, só queria que ele não batesse na minha mãe”, conta o psiquiatra, ressalvando que os ofensores não são necessariamente agressivos com os filhos.

Sobre os encontros que os pais são obrigados a manter em nome dos filhos, considera que há casos em que “são impossíveis”: “Se estão gravemente desavindos como se vão entender? Só a presença um do outro desencadeia violência.”

As associações querem que haja uma alteração legislativa que vá ao encontro da Convenção de Istambul, que impõe aos Estados que garantam a segurança das vítimas nas questões de guarda e de visitas depois do divórcio. Diz a Convenção de Istambul, no seu artigo 45, que deve ser possível a “retirada da responsabilidade parental, se de outro modo não puder ser garantido o superior interesse da criança, o qual pode incluir a segurança da vítima”.

A APMJ já entregou uma proposta que está a ser analisada na subcomissão de Igualdade da Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. A presidente desta subcomissão, Elza Pais, reconhece que “tem de se fazer alguma coisa”, mas afirma que é preciso garantir que as crianças “não perdem o direito” de ver os progenitores, a não ser que sejam agredidas.

Em Dezembro de 2013 estavam detidos 427 reclusos pelo crime de violência doméstica, mais 189 face a 2011, e havia 210 agressores com pulseira electrónica, contra 51 em 2011.

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