Associação denuncia morte de recluso por "alegada falta de assistência médica"

Serviços prisionais confirmam óbito, mas não respondem à alegação de falha no auxílio prestado. Aberto inquérito interno ao caso.

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Recluso morreu quarta-feira de manhã na prisão da Carregueira, em Sintra Nuno Ferreira Santos

A Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso (APAR) denunciou a morte de um preso, de 50 anos, que estava a cumprir pena no Estabelecimento Prisional da Carregueira, em Sintra, esta quarta-feira, “por alegada falta de assistência médica”. Contactada pelo PÚBLICO, a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP) confirma o óbito que diz resultar de “causas naturais” e acrescenta que foi aberto um inquérito interno

Num comunicado, a APAR diz que os seus delegados relataram que o recluso, que se encontrava numa camarata com mais três colegas, terá sentido uma dor forte no peito, cerca das 2h00 de quarta-feira, tendo sido pedido auxílio aos guardas prisionais.

A APAR garante, contudo, que o chefe de serviço terá dito ao recluso para “aguentar até às 8h00”, porque a prisão não tinha médicos, nem enfermeiros de serviço durante a noite. Só horas mais tarde, quando a vítima "entrou em colapso cardíaco", é que terá sido chamado o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), que não conseguiu salvá-la.

Sobre este relato, a DGRSP confirma apenas que foi chamado o INEM, que “tentou a reanimação”, sem adiantar o momento em que tal ocorreu, nem se horas antes tinha sido pedido assistência para o recluso. “Como é habitual em ocorrências similares está a decorrer um processo de inquérito a cargo do Serviço de Auditoria e Inspecção que é coordenado por um magistrado do Ministério Público”, acrescenta a DGRSP.

Hélder Fráguas, advogado do recluso que estava a cumprir pena por violação, disse ao PÚBLICO que considera “altamente provável que este seja um caso de omissão de auxílio”, já que ouviu três testemunhos que apontam para isso. As versões são similares à da APAR, com pequenas diferenças. “A meio da noite o meu cliente sentiu-se mal e alertaram o guarda que não foi sequer à cela. Quando lá foi, por volta das 7h, disse que não chamava ninguém”, descreve o advogado. E acrescenta: “Só depois do meu cliente morrer é que o INEM foi chamado”.

Houve ainda um telefonema que colocou Hélder Frágua em alerta, tendo o advogado comunicado o episódio ao Ministério Público de Sintra. “Ontem a mãe do Jorge recebeu um telefonema de um indivíduo que se identificou como funcionário da Carregueira, de onde vinha a chamada, a dizer-lhe para não se preocupar com o funeral, que tratariam de tudo. E que se desse autorização não se faria autópsia”, conta o defensor. A mãe do recluso interpretou o telefonema como uma forma de a afastar do inquérito à forma como o filho morreu.

A APAR refere que chegou a suspeitar-se de homicídio, uma vez que o recluso tinha um golpe na cabeça, mas diz que as autoridades, que tomaram conta da ocorrência, concluiram que o ferimento resultou da queda do recluso quando este teve o colapso. Sobre isso, a DGRSP refere que foram chamados os órgãos de polícia criminal competentes e que se aguarda pelos resultados da autópsia, embora afirme que a morte resultou "de causas naturais". 

Segundo preso numa semana
"É o segundo preso a morrer de causas naturais e sem auxílio prestado a tempo na Carregueira no espaço de uma semana”, diz Vítor Ilharco, da APAR, acrescentando que não possui pormenores sobre o primeiro caso. A direcção-geral tem uma versão diferente explicando que faleceu no passado dia 12 um outro recluso da Carregueira, após doença prolongada e grave. Precisa que a morte ocorreu no Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa, onde o recluso se encontrava internado, após transferência do Hospital Prisional, onde também havia estado internado algum tempo.

A APAR alerta para a necessidade de se começar a olhar para os reclusos como cidadãos com todos os direitos previstos na Constituição, com excepção do direito à liberdade. “Deixar morrer um cidadão, recluso ou não, por falta de auxílio é crime que deve e tem de ser punido”, sublinha-se na nota.

Jorge Alves, presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional, não conhece bem esta história, mas lembra que a falta de profissionais de segurança nas cadeias pode condicionar a sua actuação. “A Carregueira reduziu um terço do efectivo dos guardas no período da noite desde sexta-feira passada”, realça. Por outro lado, diz que a saúde dos reclusos é um problema durante a noite. “Temos apenas uma linha 24h que está ligada ao hospital prisional e que faz uma triagem pelo telefone”, explica, acrescentando que para chamar o INEM, por exemplo, é necessária uma ordem da directora da cadeia. 

Notícia actualizada às 16h40: Acrescentadas as declarações do advogado do recluso e do presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional.

 

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