As TIC em saúde, um novo paradigma para alguns cuidados

Em artigo de opinião publicado em Outubro de 2013, abordei os problemas da sustentabilidade em saúde. Estes são um facto reconhecido por todos os interessados e intervenientes nesta área de actividade.

Nos tempos em que vivemos não basta assinalar os problemas, é indispensável construir novos caminhos. Não conhecemos a forma ideal para fazer esta renovação pelo que é preciso abrir novos rumos com humildade, mas determinação. Este caminho deve ser trilhado com a garantia de manutenção de qualidade dos cuidados, verdadeiro caminho da sustentabilidade. É oportuno lembrar a mensagem de Michael Porter, na Harvard Business Review, que um dos problemas em saúde é “termos andado a utilizar marcadores errados utilizando instrumentos não apropriados”. Infelizmente isto é particularmente verdade no nosso País, como se verificou em exemplo recente.

O estado da arte tal como existe no presente está centrado nos prestadores, sejam hospitais, centros de saúde, consultórios, e outras redes de saúde. Mas os primeiros interessados são os doentes, que não têm acesso fácil nem aos cuidados de saúde, nem à informação que lhes diz respeito. Temos de aceitar que este facto é insólito, mas historicamente justificado e compreensível.

Como descrevi no artigo anterior, a maior parte dos doentes são idosos e crónicos. Em resultado necessitam de acompanhamento regular para situações bem conhecidas e concretas, necessitando de se deslocar para beneficiarem desses cuidados. Vejamos um simples exemplo, muito frequente.

Habitualmente um doente para ter uma consulta, necessita, pelo menos, de meio dia. No passado, a consulta médica era um tempo privilegiado para um contacto humanizado, em que a relação médico-doente é fundamental. No presente será que se mantém esta relação, que para qualquer médico deve ser basilar? O advento da informática introduziu na relação com o doente um terceiro elemento, o computador. Assim esta relação passou a ser uma relação a três….

Dados da Associação Médica Americana mostram que durante cerca de metade do tempo que um doente está em consulta, o médico está a interagir com o computador. Em Portugal quanto tempo será? Gostaria de ter dados que me confirmassem que a percentagem é semelhante. Durante a consulta, e para lá da colheita da história, o médico via, e fazia o exame objectivo, nomeadamente auscultação e palpação. Destas etapas da consulta, e com o advento e progresso dos meios auxiliares de diagnóstico, em muitas doenças a sua importância relativizou-se. Nas segundas consultas, como o doente já é conhecido, as suas etapas são muito dirigidas a acompanhamento de situações anteriormente identificadas. À distância o médico pode falar com o doente, ver, auscultar, avaliar exames, prescrever.

Esta análise sobre a forma como proporcionamos alguns cuidados de saúde, facilmente identifica a necessidade de reflectirmos sobre a melhor forma de os exercer. Julgo não exagerar ao afirmar que em muitos casos o estado da arte da prestação de alguns cuidados de saúde é um paradigma de ineficiência. Para uns escassos minutos de contacto com o profissional de saúde despendemos várias horas e alguém paga um custo excessivo para tão curto serviço.

A adopção das TIC (tecnologias de informação e comunicação) em saúde, apresenta-se assim como uma possibilidade para colocar o doente no centro desses cuidados, sempre garantindo eficiência e qualidade. Portugal está muito bem posicionado, para poder ser um interveniente activo neste paradigma de mudança. Se a receptividade for semelhante a dos EUA, os doentes apreciam.

A maior dificuldade será de profissionais, em que os emigrantes digitais são numerosos. Porém os nativos digitais já aí estão, em todas as áreas da prestação de cuidados de saúde. Estou certo que eles irão aderir e ser os principais actores desta mudança.

Director do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa, no Port

o. O autor escreve segundo o Acordo Ortográfico.

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