As sestas dos bebés e as resoluções de ano novo

De cada vez que deito a minha filha para fazer a sesta, fico eufórico. De repente, tudo é possível. Durante as próximas duas horas deixo de ser propriedade de um gnomo guinchador e volto a ser dono do meu tempo. Posso fazer o que me apetecer.

Posso ler o jornal. Espera, não! Vou antes acabar um capítulo do livro que comecei a ler há três anos. Ah! Esqueci-me, não posso: está a servir de calço à mesa onde as bonecas tomam o chá. Vou então acabar de ver o filme que foi autoritariamente interrompido por um episódio da Porquinha Peppa. Não, está a dar o Liverpool-Chelsea! Vou visionar bom futebol! Mas televisão é desperdício para este tempo tão precioso. Vou-me dedicar a uma tarefa útil. Se calhar, posso arrumar por cores a gaveta das meias. Talvez arranjar o candeeiro da cozinha (ou melhor, telefonar para um homem que virá arranjar o candeeiro da cozinha). Outra hipótese é eu próprio dormir uma sesta.

As possibilidades são imensas e eu fico assoberbado pela liberdade que me foi concedida. O que fazer? Eu, que tenho perfeitamente definida a minha agenda para o resto da vida (i.e., estar sossegado e, mais tarde, falecer), não consigo decidir o que vou fazer durante as próximas duas horas. Por norma, quando finalmente tomo uma decisão, passaram-se 90 minutos e começo a ficar ansioso. Passo da euforia à angústia mais depressa que um consumidor de drogas recreativas no fim da noite. Em vez de me concentrar no que escolhi fazer, fico de atalaia, à espera de ouvir o choro que marca o fim do idílio. Já não está a ser divertido. Nisto, a criança acorda e deixo de ser dono do meu tempo. O que podia ter feito é agora uma louca quimera. É então que juro a mim mesmo que, na próxima sesta, farei efectivamente coisas, em vez de ficar a pensar sobre que coisas fazer. Comprometo-me e chego inclusivamente a redigir uma lista com prioridades. No dia seguinte, volto a falhar.

É por isso que desde que a minha filha nasceu deixei de fazer resoluções de ano novo. Se passadas apenas 24 horas quebro promessas, não é passados seis meses que as vou andar a cumprir. O dia 1 de Janeiro é como o primeiro minuto da sesta de um bebé: podemos moldar o destino como se fosse plasticina, mas não nos conseguimos decidir sobre a cor da plasticina que queremos usar. E depois temos de limpar a plasticina que está minuciosamente enfiada nas frinchas do soalho da sala, nas ranhuras do leitor de DVD e noutros interstícios de difícil acesso — outra ocupação para me distrair durante a sesta.

Se anotasse cada resolução de ano novo incumprida numa folha A4 e as pusesse todas em fila, dava para dar a volta à Terra. O que, a ver bem, nem é assim grande façanha: se pegasse em todos os exemplos de coisas que as pessoas dizem que dariam a volta à Terra se postas em fila, escrevesse cada um numa folha A4 e as pusesse em fila, também dava para dar a volta ao mundo.

 

Sugerir correcção
Comentar