As notícias e as suas circunstâncias

Sobre a informação destes enredados casos, eu tenho a sensação que estamos a contar (eu ia a dizer mentiras) histórias uns aos outros.

Pergunta-me um leitor o que é que eu queria dizer com a engendrada “teoria da pureza das notícias”, referida na crónica publicada na edição de 13 de Julho passado. “No fundo, para si não há notícias ‘puras’”.

No seu livro, O Quarto Equívoco – o poder dos media na sociedade contemporânea, (Coimbra, Minerva, 2003), Mário Mesquita inclui um interessante capítulo sobre o título “Em louvor da santa objectividade”. Neste texto, Mário Mesquita refuta, por assim dizer, a ligeireza com que face à actual crise dos media no espaço europeu e português, se abdica da atitude de objectividade, “pela contaminação do jornalismo por outras formas de comunicacionais, onde a emoção e a afectividade prevalecem sobre a informação”.

Na verdade, ao enveredar por esta fórmula simplificada da “teoria da notícia pura” tentava fugir a duas questões: a primeira, por não querer, nesta oportunidade, tratar especificamente da objectividade noticiosa; a segunda, porque desejava adoptar uma abordagem que, na minha interpretação, prescreve outras condições que entram, mais amplamente, na “fabricação” da informação jornalística. O suporte da informação está muito para além da prescrita tecnicidade da notícia. O jornalismo informativo muitas vezes mistura os designados géneros jornalísticos. Por exemplo, uma reportagem é um mix desses géneros, pois mistura notícia, entrevista, depoimento, contraditório, etc. Por outro lado, a informação que, hoje, se transmite para o grande público, está mais no contexto da opinião que se produz (notícias de jornais ou telejornais estão “carregadas” de opinião dos seus articulistas e comentadores) do que na tal notícia “seca”, formulada na tal construção do esquemático lead – o quê, quem, quando, onde, como, porquê. Não é por acaso que Dominique Wolton diz: hoje, as notícias são histórias que se contam. Ou então, como adverte Paul Watzlawick, um indivíduo para dizer-se informado, tem de estar atento à informação, à contra-informação e à desinformação que se produz sobre um facto, um acontecimento. 

Chegado aqui, talvez seja mais correcto, utilizar o conceito abrangente de informação do que a “notícia pura”. E adoptado o conceito de informação, da informação transmitida ao grande público, retomar a outra dimensão de que falava na produção das notícias, ou melhor da informação: o circunstancialismo. No fundo, como se diz, cada pessoa, cada coisa, é o que é e as suas circunstâncias. Principalmente, hoje, com o ritmo vertiginoso com que se constroem e desconstroem as notícias, matéria base da informação que se produz, a notícia, a informação, são elas e as suas circunstâncias.

Muitas das queixas ou reclamações de alguns leitores que incluo nesta mesma página são exemplos desta minha (concordo) simplificada teoria. Sobre a construção de informação do conflito na faixa de Gaza é extremamente fácil um leitor acusar o jornalista ou até o PÚBLICO de ser pró-Israel ou pró-Palestina. Ou em relação à situação na Ucrânia, ser pró-russo ou pró-ocidentalista. Ou então numa reportagem sobre os incidentes na Escola Rodrigues de Freitas no dia das últimas provas dos professores inferir-se que está a tomar partido pela posição do ministro ou do MEC ou dos professores. Obviamente, depende da construção da informação, mas também da leitura feita ou interpretada. Diz-me a experiência que venho acumulando os casos mais difíceis de dirimir são aqueles em que os actores-personagens na “peça informativa” se confrontam com os autores dessas notícias ou reportagens.

A actualidade da informação inclina-me a retomar o caso GES/BES como um exemplo bastante paradigmático para a tal suposta teoria da “pureza da informação”. Declaro desde já que não recebi nenhuma queixa sobre a informação que a este propósito o PÚBLICO ou os seus jornalistas, em especial das secções Economia ou Política, têm transmitido. Não deixo porém, de sentir as suas dificuldades ou de me render ao mérito profissional evidenciado. O caudal de informações que, a cada momento, numa velocidade estonteante, brota nas redacções, ilustra plenamente a tal “teoria da circunstancialidade”. Já não bastava o cuidado de discernir a situação do GES (grupo) da situação do BES (banco), vêm agora juntar-se os últimos episódios do processo Monte Branco sob investigação judicial há alguns anos. Como não bastava vir agora o presidente da CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários), Carlos Tavares, acrescentar, em plena Assembleia da República: “Penso que haverá mais informação relevante para além desta que está actualmente no mercado”.

Sinceramente, sobre a informação destes enredados casos, eu tenho a sensação que estamos a contar (eu ia a dizer mentiras) histórias uns aos outros. Espero que a minha “engendrada” teoria da pureza da informação fique, para o leitor, esclarecida.

 

Notícia contestada

“A notícia que queria comentar (Público de 24 de Julho, página 10) é da autoria de Ana Cristina Pereira e tem o título,  “ Organização à moda soviética acusada de centena de crimes”,  e uma fotografia de uma prisão com um letreiro em russo, cuja tradução é  ‘Rigorosas condições de cumprimento de pena’. A notícia versa sobre um grupo mafioso de 27 criminosos, sendo 25  originários da República da Geórgia, que estão a ser julgados em Portugal por inúmeros crimes cometidos no nosso país.

O título da notícia e o letreiro são absurdos (…) Primeiro, o grupo mafioso nada tem com a ver com a URSS ou como o que é ‘soviético’.  Estas máfias são pós-soviéticas, surgiram e desenvolveram-se após a queda da URSS. (…) Quanto à fotografia: nada tem a ver com o texto, foi inserida de modo absurdo no meio do texto para conotar com o alfabeto cirílico. Na Geórgia utiliza-se outro alfabeto. (…)”

Resposta da jornalista: “Não sou minimamente responsável pela escolha das fotografias. Vou alertar a fotografia para o facto da foto ser desadequada. O texto parte da informação que consta da acusação deduzida pelo Ministério Público. O documento diz que a organização se rege pelos “valores tradicionais das organizações criminosas do período soviético”: tem nas suas fileiras os chamados “ladrões em lei”,  título, segundo o MP, "assente no conceito profundamente soviético do 'submundo dos ladrões'". 

Qualquer busca, por mais rápida que seja, no Google mostra que este tipo de organização surgiu no período soviético e que existe em diversos antigos estados soviéticos. (…)

Comentário do provedor: É provável que o leitor não fique satisfeito com a resposta. Mas julgo que a jornalista responde com honestidade. Como o leitor já deve saber, tratamentos ofensivos corto.

 

 Conflito Israel – Palestina

Escreve um leitor: “Antes do mais gostava de dizer que sou um leito assíduo do jornal e orgulhoso assinante, e que admiro todos os jornalistas sem excepção da redação do Público. Entretanto mais uma vez, venho pedir a v/ intervenção na forma como o conflito está a ser coberto, certo de duas coisas fundamentais:

1 - O leitor lê o jornal para fazer a sua própria opinião

2 - O jornalista deixa a sua opinião fora da Porta e não transmite quaisquer que sejam os seus pontos de vista ao leitor, narra os factos e não conduz o leitor a sua própria opinião.” (…)

Depois de vários exemplos ou citações, o leitor pergunta: “(…) Será que o PÚBLICO está a ser imparcial na sua cobertura? A bem da verdade comparativamente a outros surtos de violência no Médio Oriente.” (…)

Comentário do provedor: Não vou comentar as interrogações do leitor. Deixo estes seus comentários publicados por aviso à delicadeza do tratamento da informação sobre este terrível e dramático conflito. Aliás, parece-me ser esta a intenção única do leitor

 

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