As horas bonitas

Somos testemunhas rancorosas dos maus tempos que não conseguimos evitar.

Já houve horas bonitas e até mornas na primeira e última semana de Janeiro. Mas é difícil agarrarmo-nos a elas, por causa do frio em que vieram embrulhadas. São como castanhas assadas enfiadas num frigorífico: não fazem sentido. O contexto, infelizmente, é tudo.

Tenho trabalhado muito este Inverno. É o contrário da hibernação: uma grande ideia. Não é dormindo que se envelhece. Sobretudo não é dormindo que se contemplam as misérias do Inverno.

A hibernação, sendo natural, é o hipnótico mais potente que há. Dura três meses (2160 horas), comparado com o Stilnox, que tem sorte se durar sete horas. A hibernação corresponde a 308 comprimidos de Stilnox: são mais do que 22 embalagens.

Os Beatles foram (talvez) a melhor banda de sempre, mas a reunião de Paul McCartney e de Ringo Starr nos Grammys foi um soporífero de segunda. A grande estrela foi Lorde, uma cantor-compositora que tem 17 anos mas poderia ter 7 ou 57 anos, cantando Royals. Lembro-me do primeiro disco de Janis Ian, Society's Child, e, pouco depois, da genial canção dela que é At Seventeen, de 1975.

Ser humano é dormir pouco todas as noites. Contando com os sonhos, estamos sempre acordados. Somos testemunhas de cada Inverno. Somos capazes de sentir e recordar a vileza dos dias e das noites que passámos.

Não hibernamos, infelizmente. Mas somos testemunhas rancorosas dos maus tempos que não conseguimos evitar. E do bem que nos sabem aqueles que aí vêm.

Não é pouco. Nem muito. É tudo.

 
 
 

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