As fugas que títulos e escolhas provocam

Não deixa de ser curioso verificar, num tempo de acentuada crise financeira e económica, o impacto e o sucesso que programas sobre culinária e gastronomia têm.

1. O Fugas do dia 11.10.2014, um suplemento do PÚBLICO com algumas características específicas, fornece-me, hoje, motivo para algumas particulares considerações. Esse número do Fugas era todo consagrado a um tema, conforme indicava a chamada da 1.ª página e fazia o título do primeiro texto do dito suplemento: “Especial Gastronomia. 50 pratos para comer Portugal”. Em boa verdade, não é só o Fugas que me sugere o assunto desta crónica. De forma decisiva, influenciam-me os comentários de um leitor, confesso e sensibilizante nortenho, que me confidencia ter ficado decepcionado com este reduzir do país a essa faixa que se centra, (se concentra), sobretudo, em Lisboa, e quando muito vai até o Algarve.  Eis as justificações do leitor: “Fixei-me no texto de “Os imperdíveis 50 pratos para comer Portugal” que “nos fazem desviar do nosso caminho só para os comer” nas diferentes partes do país. Fiz contas e logo fiquei desiludido: um na Ilha da Madeira, 10 no Norte de Portugal, 5 no Porto, 2 na Região Centro, 3 no Alentejo, 6 no Algarve, um no vale do Tejo e 23 (vinte e três!) em Lisboa. Depois no capítulo “Como se organiza um restaurante” são todos eles de Lisboa e um do Algarve”. Ora, a questão fulcral do meu desencanto está aqui: “o que pode parecer preconceituoso e provinciano, (é capaz de ser isso mesmo), mas custa-me este alargar de distâncias (que mais do que físicas são de omissão e menosprezo) por estes quatro milhões que por estas bandas comigo habitam.” (…) Aliás, “quanto às questões gastronómicas até não me importa muito, pois é bem melhor ficarem guardados esses preciosos segredos gastronómicos” do resto do país. “Mas, o que mais se sente (aqui, por estas bandas da província) é esse inexorável movimento em torno de Lisboa.” (…)

2. Estes comentários do leitor levantam-me algumas questões de carácter jornalístico. Uma, que se põe em termos gerais, (não apenas reflexo de sensibilidades localistas ou regionais) na interrogação que, tantas vezes, se coloca acerca das condutas políticas, a propósito do centralismo de Lisboa: Estará o PÚBLICO, (não obstante a edição do Porto), por condicionamentos financeiros que levam a restrição de pessoal ou outros, a esquecer o resto do país?

A outra questão tem a ver, em minha opinião, com a redutibilidade que, fatalmente, a escolha de amostras ou de selecção sobre o universo das coisas ou assuntos de um país ou de situações globais implica. É uma viciação em que, quase com consentânea normalidade, os media aceitam e nela caem. Efectivamente, afirmar, “os imperdíveis 50 pratos para comer Portugal”, além da forma truncada, este papar de um país, por certo escolhida por graça, na construção de um título sedutor, pois se é verdade que o país, por outras razões, pode estar a ser comido, um país não se come assim. Há um indiscutível reducionismo. Aliás, os quatro autores do artigo reconhecem-no antecipadamente ao escreverem: “Nunca há listas consensuais ou definitivas. E, como se sabe, todas as listas são injustas.” (…) “Ficaram certamente de fora muitos pratos tão imperdíveis como aqueles que escolhemos.” (…) Quanto ao título, - digo eu - é sempre o risco de, na procura de seduzir os leitores, absolutizar o que, efectivamente, não o é. Mas, como diz Mário Mesquita: “a arte de bem titular requer o domínio de uma linguagem telegráfica, plena de supressões e é propícia a derrapagens deontológicas.” (in Jornalismo em análise. A coluna do provedor dos leitores, Coimbra, Minerva, 1998).

3. Devo declarar que escrevo sem ter ouvido os jornalistas visados, pois não só encontro, nos seus próprios textos, as prováveis explicações que me poderiam dar, como as questões aqui levantadas são extensíveis a comuns práticas jornalísticas. Por outro lado, quando digo acima que o Fugas é um suplemento com características especiais, quero dizer: na minha interpretação, no enquadramento geral de o PÚBLICO, é um suplemento que goza de uma certa autonomia e, como se inscreve no frontispício da sua edição de papel ou digital, é dedicado a assuntos que têm a ver com viagens, hotéis, restaurantes e bares, vinhos, etc. Sem esquecer que a gastronomia “objecto” de notícia, crítica ou reportagem, tem aspectos de dimensão antropológica, social, económica, geográfica e outros, é óbvio que o tratamento informativo dos produtos ou serviços que se inserem neste sector comporta sempre um certo risco do resvalar para uma informação de carga comercialista. Sobretudo, na leitura dos públicos. Incidir directamente na análise, apresentação ou proposta de uns “produtos” em relação a outros, reveste essa circunstância. Por isso todo o cuidado é pouco. Mas nem por isso, tal como acontece, por exemplo, nas críticas de livros, filmes, discos, etc., este campo da crítica deve ser banido. Donde, sob o ponto de vista deontológico e adentro dos parâmetros dos princípios e normas da conduta informativa estabelecidos no Livro de Estilo do PÚBLICO se escreva: “A demarcação rigorosa da publicidade em relação ao espaço noticioso no PÚBLICO exclui todo o tipo de publicidade nas suas colunas informativas. Isto não significa, no entanto, a negação do objectivo principal do jornal: informar. O nome de uma empresa ou de um hotel, de uma marca comercial ou de uma instituição privada /pública ou de outra natureza devem ser incluídos na notícia ou na reportagem, sempre que constituírem elementos úteis de identificação, de localização, de sugestão ambiental ou com carga de informação útil indispensável.”

De muito interesse o último artigo deste Fugas da autoria de Fortunato da Câmara, sob o título “A crítica gastronómica. Crítica e derivações acríticas”, onde se analisa este actual consórcio entre a crítica gastronómica e os media. Não deixa de ser curioso verificar, num tempo de acentuada crise financeira e económica, o impacto e o sucesso que programas sobre culinária e gastronomia têm. Como aliás, nestes últimos anos, também o têm, as secções que os jornais consagram a este tema, onde determinados jornalistas, “comilões profissionais” pelas suas críticas e recomendações se tornaram verdadeiros conselheiros nas nossas escolhas. Como salienta o citado Fortunato da Câmara “a recente mediatização da gastronomia e dos chefs de cozinha fez surgir as assessorias de imprensa como meio de publicitar e promover restaurantes e cozinheiros”.

 

CORREIO LEITORES/PROVEDOR

O vício elíptico dos títulos

Há um título de 1.ª página de o PÚBLICO e no PÚBLICO on-line de ontem que merece reparos. 1.ªpágina: “Sexo após os 50 anos? Especialistas desmentem juízes.” Edição digital: “Juízes com mais de 55 anos dizem que sexo perde importância nesta idade.” Notícia no on-line: “Juízes que já passaram os 55 anos decidem que sexo nesta idade não é assim tão importante.”

Lá vem a imprecisão dos títulos, a que chamo o vício elíptico. Ao pretender-se condensar no título o conteúdo da notícia ou do artigo deforma-se a correcta informação. Ora, atribuir aos juízes com mais de 55 anos tal juízo parece-me exorbitante e errado, o que só pode ser atribuível àqueles juízes (com mais ou menos de 55 anos?) que proferiram tal “juízo”.

Afinal, o que me parece mais correcto é o subtítulo da peça assinada por Ana Henriques e Alexandra Campos: “Maternidade Alfredo da Costa condenada por erro médico que lesou mulher para sempre. Supremo Tribunal Administrativo reduz indemnização para 111 mil euros.”

Os sub-20 em hóquei em patins

Um leitor não perdoa: “O PÚBLICO esquece (edição de 12.10.14) a 4.ª vitória consecutiva da selecção de Portugal sub-20 anos no campeonato europeu em hóquei em patins, mas não esquece a 4.ª vitória do Benfica na super-taça de voleibol.”

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