As desculpas da ministra

Paula Teixeira Cruz, ministra da Justiça e estrela cadente do Governo da austeridade, não resistiu. Instalou a destempo o novo mapa judiciário. Também instalou a enorme desorganização na área cível do sistema de Justiça. Devia ter olhado menos para as eleições e mais para a Justiça. Devia ter obedecido à Justiça e não à troika. É gravíssimo.

Não basta ter umas ideias. É preciso ter ideias e ideais de Justiça. Isso separa um governante de um tecnocrata no Governo. O sistema de Justiça é fundamental ao Estado de Direito. Os políticos devem prever as consequências das decisões que tomam.

O colapso do sistema, subjugado a uma plataforma informática, não exibe só  incompetência. O que está em causa – e é muito mais grave – é o desrespeito e lateralização dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. É o culminar de uma crise que os políticos têm escamoteado com retórica e falsas reformas. 

Optou-se, em vão, por desautorizar e hostilizar o Tribunal Constitucional. Deixar à  deriva a “independência” dos conselhos superiores de magistraturas. Negociar princípios com corporações de magistrados e polícias. Deixar passar a ideia da impunidade dos poderosos. Alimentar lutas entre os “senhores da lei”. Confundir independência e autonomia dos magistrados com privilégios. As polícias dominam a investigação criminal. Não se deram passos significativos na democratização da Justiça. O regime do júri é tão complexo que caiu praticamente em desuso.

Os processos são um calvário de traçado sinuoso cuja caminhada se inicia hoje e se ignora quando acaba. A infidelidade ao segredo de Justiça banalizou-se. Cai sobre a cabeça de inocentes ou culpados. Sem pudor.

A tutela das polícias de investigação criminal é do Governo. Os intuitos são óbvios. Permitiu-se às polícias que investigassem como e quando quisessem. Anos a fio. Estabelecessem as prioridades de investigação criminal. Esta é um ponto nodal da administração da Justiça. Prepondera a lentidão da investigação, com prejuízos irreparáveis para a Justiça, credibilidade das instituições judiciárias, paz social, vítimas e arguidos.

As polícias investigam com “autonomia técnica e táctica”. O que quer dizer que investigam quando querem e como querem. Não prestam contas ao Ministério Público que deve dirigir a investigação. Prestam outras contas e a outros. A segurança e a investigação criminais ficam entregues às polícias. A salvaguarda. da liberdade, direitos e garantias também.

Uma fiada de incompetências. Promiscuidades entre o judicial e o político.

O mapa judiciário podia ter sido um grande passo na modernização do sistema de Justiça. Instalado com inteligência. Está a causar danos irreparáveis à Justiça e aos cidadãos.

A ministra da Justiça procurou consagração no novo mapa judiciário. Era o seu “código”! Que quis com pressa em vigor. Contra tudo e todos. Dava um empurrão eleitoralista ao partido. Prestava contas à troika.

Foi informada que o sistema informático não suportaria as alterações impostas pelo novo mapa. Insistiu. É dolo eventual.

Assinou este colapso. Atrasou a Justiça muito tempo.

Um ministro da Justiça consegue o feito de impedir o acesso a tantas centenas de milhar de processos!

A ministra da Justiça pediu desculpas. Não há desculpas.

Procurador-geral adjunto

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