ARS de Lisboa paga 74 mil euros para assessoria de reforma hospitalar

Presidente da Administração Regional de Saúde de Lisboa contrata médico conhecido para acompanhar reforma da urgência metropolitana e da rede hospitalar.

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Nuno Ferreira Santos

Depois de ter nas mãos o estudo de uma consultora privada sobre a reforma da rede hospitalar que custou 90 mil euros, a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT) acaba de contratar o ex-presidente do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) para apoiar e assessorar esta reorganização, ao longo deste ano, pelo valor de 74 mil euros.

A contratação, por ajuste directo, decorreu com rapidez, pouco tempo depois de o ex-presidente do INEM Miguel Oliveira ter constituído a empresa POP Saúde – Planeamento, Organização e Prestação de Cuidados de Saúde, Lda. O procedimento foi autorizado pelo presidente da ARSLVT, Luís Cunha Ribeiro, em 2 de Janeiro, a adjudicação recebeu luz verde no dia 8, o contrato foi assinado a 10, e Miguel Oliveira começou a trabalhar nesta terça-feira, 14. “Precisava de um médico hospitalar, não tenho nenhum na ARS. Ele ofereceu-se e eu propus pagar-lhe 30 euros à hora”, explicou ao PÚBLICO Cunha Ribeiro.

São cerca de cinco mil euros por mês (excluindo o IVA), uma quantia que o presidente da ARSLVT considera adequada, tendo em conta a tarefa a desempenhar, e que passa pela “análise, planeamento, implementação, acompanhamento e monitorização” da reorganização da urgência metropolitana da Grande Lisboa e a reforma hospitalar na região, lê-se no contrato assinado com a empresa de Miguel Oliveira. No total, com IVA, este serviço de “consultadoria especializada” vai custar mais de 74 mil euros.

“É altamente vantajoso. É difícil encontrar alguém com a formação e a experiência [de Miguel Oliveira]”, sustenta Cunha Ribeiro, frisando que o médico vai acompanhar dois dossiers muito complexos.

“A pessoa em causa é o único médico em Portugal que tem uma licenciatura em Gestão, outra em Economia e ainda um mestrado em Medicina de Emergência, o que permite conjugar e integrar conhecimentos de saúde, de gestão e economia, imprescindíveis para uma perspectiva de gestão com a componente clínica”, reforça a assessoria de comunicação da ARSLVT, em texto escrito enviado ao PÚBLICO.

Miguel Oliveira foi nomeado presidente do INEM em Outubro de 2010 pela então ministra da Saúde do PS Ana Jorge e permaneceu no instituto durante um mandato de três anos.

Aos 43 anos, este médico especialista em cirurgia pediátrica tem competência de emergência médica e de gestão de unidades de saúde, foi coordenador das vias verdes do AVC e coronária na ARS do Norte e dirigente no Departamento da Qualidade da Direcção-Geral da Saúde. Essa experiência torna a sua contratação “uma mais-valia” para a ARSLVT, “especificamente nas questões relacionadas com urgência/emergência e possíveis reformas da oferta de serviços hospitalares”, frisa a assessoria de comunicação.

Miguel Oliveira e Luís Cunha Ribeiro conhecem-se há muitos anos e trabalharam juntos no INEM, entre 2003 e Janeiro de 2008, quando o segundo, que é medico hematologista, presidiu ao instituto. Miguel Oliveira foi assessor de Cunha Ribeiro ao longo desses anos e, em simultâneo, director regional do INEM no Norte. Depois de ter saído do instituto, em Outubro passado, o médico foi trabalhar para um hospital privado, onde permaneceu pouco tempo. O PÚBLICO tentou falar com Miguel Oliveira, que remeteu qualquer tipo de esclarecimento para a ARSLVT.

Apesar de já ter recebido o estudo da Antares Consulting sobre a reforma da rede hospitalar na Grande Lisboa, Cunha Ribeiro escusa-se a revelar os resultados, argumentando que a ARS está a avaliar e a discutir as propostas e deverá ter este trabalho concluído no final deste mês.

Partidos questionam contratação de consultora
O processo de reorganização dos serviços de saúde na região mais populosa do país tem dado origem a muita polémica. A contratação da consultora Antares Consulting para a realização do estudo sobre a reforma hospitalar na região foi mesmo posta em causa por dois partidos políticos, o Bloco de Esquerda e o PCP, que pediram esclarecimentos ao Governo.

Na pergunta formulada em Novembro, o PCP defendia que “não se compreende” a contratação de uma empresa para a realização de um estudo sobre a reforma hospitalar, depois dos vários trabalhos feitos sobre o tema (ver caixa). Lembrava, a propósito, que a reforma hospitalar foi assumida como prioridade pelo Governo, mal este tomou posse, e que entretanto foram criados “grupos de trabalho para compatibilizar propostas” e pedido aos hospitais e a ARS a apresentação de sugestões.

Sem ser conhecido um “estudo global”, acrescentava, foram-se entretanto sucedendo no terreno “profundas alterações, nomeadamente no Médio Tejo, no Oeste, em Coimbra, no Algarve e em Lisboa, com a integração da Maternidade Alfredo da Costa e do Hospital Curry Cabral no Centro Hospitalar de Lisboa Central e com a concentração de algumas especialidades nas urgências no período nocturno”.

Também o Bloco de Esquerda tem tentado obter esclarecimentos sobre esta matéria. Em Janeiro, o BE voltou a fazer uma pergunta ao Governo, depois de um primeiro requerimento ter ficado sem resposta. Quarta-feira o partido reclamou que o Ministério da Saúde determine "urgentemente uma auditoria aos contratos de consultoria subscritos pela administração da ARSLVT nos últimos três anos", alegando que "é altura de pôr um ponto final no regabofe contratual que [aí] impera".

Uma reforma, vários estudos
A reforma da rede hospitalar, a medida mais complexa prevista no memorando de entendimento assinado com a troika no sector da saúde, já deu origem a vários estudos, alguns dos quais ficaram na gaveta. No final do ano passado, a troika voltou a adiar o calendário da complexa reorganização, que está previsto agora para o primeiro trimestre deste ano.

O primeiro estudo sobre esta matéria foi feito pelo Grupo Técnico para a Reforma Hospitalar, em Novembro de 2011, tendo algumas recomendações sido entretanto concretizadas.

Seguiram-se estudos sectoriais, um sobre a rede de serviços de urgência e outro, elaborado pela Entidade Reguladora da Saúde, que incidiu sobre seis das 42 especialidades hospitalares. Estes dois estudos desencadearam polémica — o primeiro propunha o fecho de 12 urgências e a desclassificação de uma série de outras; o segundo sugeria o encerramento de serviços em 26 hospitais.

Foi pedido, entretanto, às administrações regionais de Saúde e às unidades hospitalares que apresentassem propostas de reorganização e, em Julho do ano passado, criado um grupo técnico para assegurar a articulação dos planos estratégicos de cada uma das unidades de saúde com os planos de reorganização da rede hospitalar.

O Ministério da Saúde tem, entretanto, afirmado que algumas mudanças podem ocorrer de forma gradual, por iniciativa dos centros hospitalares. Cauteloso, o ministro da Saúde admitiu também que este tipo de reorganização “é algo que demora duas legislaturas [oito anos] a fazer”.
 
 
 

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