Apenas 12% dos portugueses pagam as contas sem dificuldades

Apesar da crise e do elevado desemprego masculino, europeus não cederam à tentação de “mandar as mulheres para casa”.

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Pedro Cunha/Arquivo

Quase 80% das famílias portuguesas declararam que pagar as contas é “difícil” ou uma “luta constante”. Portugal surge assim como um dos países em que mulheres e homens “se sentem sob maior pressão” e onde mais se declara ser “difícil” ou “muito difícil” viver com o rendimento que têm.

Feitas as contas pela socióloga Anália Torres, membro da comissão executiva do European Social Survey (ESS), “só 12% dos portugueses afirmam que não têm dificuldades em fazer face às despesas”, sendo que aqui a dificuldade é maior entre as mulheres do que entre os homens. “Há menos mulheres [do que homens] que dizem pagar sem dificuldades e muitas mais mulheres entre os que dizem que pagam mas é uma luta constante”, explica a socióloga.

No seminário desta terça-feira, em Lisboa, Anália Torres vai falar sobre o impacto da crise financeira na família, no trabalho e nas questões de género, a partir de uma leitura transversal dos diferentes EES, entre 2002 e 2012. Um dos receios iniciais era que a crise, e os elevados níveis de desemprego, nomeadamente masculino e sobretudo nos países do sul da Europa, pudesse fazer retroceder os princípios da igualdade entre homens e mulheres. Não foi isso que se verificou. “Poder-se-ia esperar que, numa altura em que os empregos escasseiam, tivesse alastrado a tentação de mandar as mulheres para casa, dando a prioridade aos homens no mercado de trabalho, mas, felizmente, isso não se verificou. Aliás, se em 2004, altura em que se fez a primeira vez a pergunta, já se discordava disso, em 2010 essa discordância vincou-se ainda mais”, congratula-se.

A socióloga admite que, por detrás desta defesa da igualdade, esteja uma atitude pragmática. “É aquela ideia de que quando os homens estão no desemprego as mulheres têm de funcionar como provedoras da família”, explica, para considerar que “o modelo de homem como único provedor da família parece, na prática, definitivamente ‘morto e enterrado’”.

Apesar disso, as desigualdades persistem. Nos dez anos em análise, permanecem as diferenças salariais. Que se alargam à medida que sobe o nível de qualificações. “Por ganharem menos é que as mulheres declaram mais dificuldades em fazer face às contas”, correlaciona Anália Torres, lamentando a subsistência do ciclo vicioso: “Quando um homem e uma mulher estão perante a decisão de alguém ter de se retrair profissionalmente para tomar conta do filho, tenderá a ser a mulher, porque ganha menos. Ela própria recusa muitas vezes assumir determinados cargos, porque tem de sair mais cedo. Isso reproduz um ciclo vicioso que a acompanha até à reforma, onde ganha menos porque descontou menos, apesar de viver mais anos”.

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