Advogados acusam ministra de mentir sobre colapso informático nos tribunais, enquanto juízes pedem explicações

Presidente do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça assegura que está tudo resolvido, excepto em Faro, mas funcionários contactados pelo PÚBLICO ainda dão conta de muitas dificuldades de acesso.

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A bastonária da Ordem dos Advogados, Elina Fraga, já tinha garantido que iria apresentar a queixa-crime Nuno Ferreira Santos

Ao terceiro dia de colapso do sistema informático dos tribunais, a Ordem dos Advogados emitiu um comunicado em que acusa a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, de faltar à verdade, “criando a ficção de que a plataforma Citius funciona plenamente”. Num comunicado assinado pela bastonária, Elina Fraga, a Ordem dos Advogados exige que o Ministério da Justiça “reponha a verdade e assuma a insuficiência de funcionamento” do sistema, “legislando, se for o caso, por forma a que se reconheça a suspensão dos prazos processuais, comprometidos com a impossibilidade de consulta de processos e/ou entrega de peças processuais, integral e exclusivamente imputável ao Ministério da Justiça”. Mas o presidente do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, Rui Pereira, assegura que neste momento está tudo resolvido, excepto na comarca de Faro, o que deverá acontecer até ao final do dia.

É através da plataforma Citius que magistrados, funcionários judiciais e advogados praticam a maioria dos actos processuais, por tramitação electrónica de dados. Como os prazos judiciais não foram suspensos, muitos deles estão a ser obrigados a recorrer aos CTT ou ao fax para fazerem chegar documentos ao tribunal, quando não os conseguem ir entregar em mão.

Depois de ter ficado inacessível na passada quarta-feira para permitir a migração dos processos necessária à entrada em vigor da nova reorganização judiciária, a plataforma informática devia ter regressado ao activo à meia-noite de domingo – o que não sucedeu. Na terça-feira foi voltando a estar acessível nalgumas comarcas, mas não em todas. “Há duas horas ainda não havia processos migrados [do antigo modelo de organização judiciária para o novo] na comarca de Lisboa, que abrange a margem Sul. Nas comarcas de Lisboa Norte [Sintra] e de Lisboa Oeste [Loures] já havia”, descrevia ao início da tarde o presidente do conselho distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, António Jaime Martins.

“Pelas informações que recebi, o sistema está a melhorar, mas ainda não está a 100 por cento. De manhã os funcionários conseguiam entrar no sistema, mas não conseguiam aceder aos processos e ver requerimentos e ofícios”, explicou o coordenador do Ministério Público (MP) da comarca de Lisboa, José Branco.

Esta terça-feira de manhã, os serviços do MP no Barreiro tiveram de recorrer a procedimentos antigos, através de correio em papel, para ordenar a realização de autópsias junto dos serviços de Medicina Legal. Sem conseguirem aceder ao Citius, os funcionários não conseguiam gerar o número de processo necessário para o Sistema de informação dos Certificados de Óbito.

Já na comarca do Porto a situação registou um pequeno avanço. Ao início da tarde desta quarta-feira, vários funcionários passaram a conseguir entrar na plataforma informática e a tramitar processos, enquanto outros tantos não o conseguiam fazer. Já em Matosinhos, que tem um Tribunal de Família e Menores, uma secção criminal, uma secção Cível e de trabalho e o Departamento de Investigação e Acção Penal, o sistema informático contínua inacessível, de acordo com fonte judicial. Ali alguns funcionários não têm ainda computadores para trabalharem.

De manhã, os funcionários do Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto não conseguiam aceder ao sistema, como o PÚBLICO constatou no local. “A senhora ministra diz na televisão e nos jornais que está tudo a funcionar. Mas deve ser noutro país. Aqui não funciona”, observava uma funcionária.

A falha informática continuou esta quarta-feira a provocar constrangimentos até ao nível de sessões de julgamento. No Tribunal de Penafiel, um juiz teve de ouvir uma testemunha num processo sem que a sua audição ficasse gravada. Sem o Citius operacional o módulo de gravação na dependência daquele sistema também não funciona e, por isso, não foi possível registar em áudio o testemunho de um engenheiro no processo relativo a um acidente de trabalho.

“O senhor juiz ainda perguntou se ainda existiam outros meios de gravação como as cassetes antigas, mas os funcionários disseram que já não existia nada nem sabiam de outros meios de gravação. Foi dispensada a gravação áudio do testemunho, que ficou só em acta. Mas isso fragiliza no futuro a prova do testemunho se for colocado em causa por outra parte. Os advogados estão a prescindir de direitos para que as coisas funcionem”, referiu a advogada Anabela Miranda da Fonseca. Segundo a jurista, os advogados conseguem agora aceder a alguns processos mas não a outros. Nalguns tribunais os juízes optaram mesmo por mandar buscar os velhos gravadores e as antigas cassetes.

“No que respeita aos processos pendentes em comarcas extintas e que não foram ainda objecto de redistribuição, a mensagem visualizada no Citius é a seguinte: ‘Entrega electrónica de peças processuais indisponível. Por favor recorra à entrega pelos restantes meios’”, conta a Ordem dos Advogados, acrescentando ainda ser “com consternação” que assiste “à imagem deplorável a que a implementação deste mapa judiciário conduziu a justiça portuguesa”, uma vez que ainda há, “acumulados em caixotes”, “milhares de processos espalhados pelos corredores e salas dos tribunais, impossibilitando a respectiva consulta”. Além da migração electrónica, o mapa judiciário obrigou à transferência física de muitos milhares de processos.

A Associação Sindical de Juízes Portugueses pediu explicações oficiais ao Ministério da Justiça sobre o que se está a passar. "Estamos seriamente preocupados. Pedimos explicações para depois tirarmos conclusões", diz o presidente da associação, Mouraz Lopes. Já o presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, Fernando Jorge, pede a cabeça dos responsáveis do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça: "Deviam ter vergonha e demitir-se. São incompetentes, mentirosos e enganaram a ministra da Justiça, que na segunda-feira foi à televisão dizer que estava tudo bem".

Já a bastonária dos advogados, Elina Fraga, entende que é a ministra Paula Teixeira da Cruz quem tem de assumir responsabilidades pelo sucedido. "Devia aceitar um frente-a-frente televisivo com a Ordem dos Advogados, para prestar esclarecimentos", desafia Elina Fraga.

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