Anterior Governo falhou objectivo de dar médico de família a mais utentes

Nos primeiros seis meses de 2015, o rácio de utentes inscritos por médico degradou-se face a 2013 e o SNS viu um terço dos utentes abandonar o médico de família.

Foto
São muitas as críticas do Tribunal de Contas na auditoria publicada nesta terça-feira Enric Vives-Rubio

O Tribunal de Contas (TdC) concluiu numa auditoria divulgada nesta terça-feira que as medidas do anterior Ministério da Saúde para dar resposta à carência de médicos de família “não foram suficientes para atingir uma cobertura mais abrangente da prestação de cuidados de saúde primários”.

Segundo o TdC, medidas como a contratação de 592 novos profissionais de Medicina Geral e Familiar (entre os quais 40 aposentados), o aumento do horário de trabalho para as 40 horas semanais, a subida de 1550 para 1900 utentes por médico e os incentivos à mobilidade geográfica não melhoraram o acesso dos portugueses ao médico de família. Bem pelo contrário: “O rácio de utentes inscritos por médico degradou-se” durante o consulado do ministério então liderado por Paulo Macedo, conclui o TdC, segundo o qual havia no 1.º semestre de 2015 menos 71 médicos nos cuidados de saúde primários do que em 2013.

As conclusões do Tribunal de Contas estão estampadas na auditoria de seguimento, publicada nesta terça-feira, realizada para averiguar em que sentido foram ou não acolhidas as recomendações feitas por este tribunal no Relatório de Auditoria ao Desempenho de Unidades Funcionais de Cuidados de Saúde Primários, em 2014.

O tribunal destaca a falta de médicos de Medicina Geral e Familiar, acreditando que esta se deve à “cedência a interesses corporativos (numerus clausus restritivos à entrada nos cursos de Medicina e condicionamento do acesso à formação pós-graduada), à limitação do número de prescritores (médicos), por parte do Governo, com o fim de restringir a oferta de serviços médicos, e à ausência de incentivos eficazes à adequada distribuição territorial dos recursos humanos”.

Já nesta terça-feira, o Ministério da Saúde adiantou à agência Lusa que 51 médicos aposentados estão disponíveis para regressar ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), para colmatar as carências verificadas. Fonte do ministério disse que são necessários actualmente 693 novos médicos de família e afirmou que a tutela conta resolver o problema com o concurso nacional já lançado na área da Medicina Geral e Familiar e a contratação de mais médicos aposentados.

No seu relatório, o TdC destaca que, para além da generalização das receitas electrónicas e das experiências piloto de enfermeiros de família, “não foram apresentadas quaisquer outras medidas pelo Ministério da Saúde do XIX Governo que visassem” o propósito de “maximizar as horas” de consulta e reduzir a “carga administrativa e não assistencial dos médicos”, uma das críticas apontadas pelo tribunal no anterior relatório.

O TdC recomenda assim que sejam definidos como vão ser partilhadas as competências com o enfermeiro de família e que seja melhorado o sistema de informação das receitas electrónicas, que implica demoras entre os quatro a dez minutos por consulta.

Ainda se verifica que em todas as regiões do país os utentes esperam por uma consulta mais do que o definido por lei através do tempo máximo de resposta garantido. Relativamente aos primeiros seis meses de 2015, esperava-se 59 dias nas Unidades de Saúde Familiar (USF) e 37 dias nas Unidades de Cuidados de Saúde Primários (UCSP). Sobre o tempo na sala de espera, era na Região de Saúde do Alentejo que os utentes mais tempo ficavam à espera de serem atendidos, num total de 73 minutos.

Cada vez mais desistem do médico de família

A subscrição de seguros de saúde tem crescido e é uma resposta popular perante as dificuldades de acesso ao SNS, identificou o TdC. Existem mais de quatro milhões de subscrições de seguros e de subsistemas de saúde, o que contribui para o facto de mais de um terço dos utentes inscritos nos cuidados de saúde primários não ter recorrido às unidades do SNS.

O TdC concluiu ainda que mais de 36% dos portugueses, em 2014, não iam às consultas do médico de família que lhes foram atribuídos pelo SNS. Um valor que aumentou quase dois pontos percentuais em relação a 2013.

Em Setembro de 2015, eram já 922.130 os utentes que mantinham estas condições por três anos, o que implicou que fossem eliminados da lista do seu médico de família ou da lista de utentes a aguardar atribuição. A região de saúde de Lisboa e Vale do Tejo concentrava mais de metade destes casos.

Como já tinha recomendado anteriormente, o TdC volta a sublinhar que estes utentes “não frequentadores” não deveriam ter sido “excluídos das listas” e que seja avaliada, “face ao quadro clínico, a manutenção da inscrição ou não do utente na respectiva lista” e sejam compreendidos os “motivos da não frequência dos utentes”. O tribunal entende que a “simples exclusão dos utentes menos utilizadores, por razões administrativas, não se coaduna com o carácter preventivo e de promoção da saúde dos cuidados de saúde primários”. E concluiu que o número de utentes sem médico de família, no final do primeiro semestre de 2015, era de 1.280.425, o que representa um aumento de 7,69% face ao valor anual de 2013.

Já este ano, o Ministério da Saúde agora liderado por Adalberto Campos Fernandes abriu 338 vagas para contratação de jovens médicos de família nos locais com mais carência, sobretudo nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo e Algarve. Estes médicos deviam entrar em funções no passado dia 1 de Julho. A Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) indicou ao PÚBLICO que apenas 276 candidatos se apresentaram a concurso e o processo de colocação dos mesmos "encontra-se a decorrer e o inicio de funções decorre até final do corrente mês", explicou por escrito.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários