Ambientalistas congratulam-se, aficcionados criticam recomendação da ONU

Activistas da Franz Weber alegam, entre outros aspectos, que falta fiscalização e que actividades colocam em risco integridade física das crianças. Federação Portuguesa de Tauromaquia fala num “preconceito contemporâneo que é a taurofobia”

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Protoiro alega que tauromaquia ensina às crianças "valores educativos e humanos" Miguel Manso

Durante um ano, os activistas da Fundação Franz Weber, organização ambientalista, andaram no terreno. Desse trabalho, resultou um relatório que entregaram aos peritos da ONU que este mês recomendaram a Portugal o aumento da idade mínima para participar em actividades tauromáquicas.

O relatório insere-se na campanha Infância sem Violência e os activistas criticam, entre outros aspectos, que os menores vão a Espanha matar touros. “As escolas são de toureio a pé, não a cavalo, são para ensinar a ser matador de touros profissional. Como dentro desse processo de formação está o culminar da lide, normalmente as crianças deslocam-se a Espanha para participar em festividades ou mortes de touros em quintas privadas”, diz Sérgio Caetano, representante português da Fundação Franz Weber. Os activistas argumentam que nas escolas de toureio, as crianças têm aulas com gado vivo, pondo em risco a integridade física e mental. A fundação alerta para o facto de haver escolas que aceitam crianças a partir dos três anos e para a dificuldade e consequente falta de fiscalização destas actividades em quintas privadas.

Sérgio Caetano conta que “não foi fácil fazer a investigação”. “A indústria da tauromaquia tem consciência que este é um assunto que pode prejudicar bastante a actividade, têm consciência do risco. E as escolas são quase familiares, é o filho do professor, o sobrinho, o amigo, com relações entre eles, é um mundo muito fechado”, diz, defendendo que, se Portugal quiser cumprir a Convenção dos Direitos das Crianças, terá de definir os 18 anos como idade mínima para estas actividades.

O representante português, que acredita que a recomendação da ONU se estenderá a Espanha, França, Equador, México, Venezuela, Peru e Colômbia, conta que já esteve “em demonstrações de escolas de toureio, eventos onde participaram crianças” e viu “acidentes, crianças a serem transportadas de maca”. “Depois fui ler as crónicas nos sites e blogues da imprensa taurina e nada se dizia”, salienta.

Já para a Federação Portuguesa de Tauromaquia os alertas da ONU são infundados. Hélder Milheiro, membro da comissão executiva da Protoiro, argumenta que “a realidade encarrega-se de desmentir que a tauromaquia prejudique a saúde mental das crianças”. “Há milhares de portugueses que cresceram a ver touradas. Onde é que estão os malformados, os desequilibrados, os perturbados?”, questiona, desfiando um conjunto de personalidades que gostam de touradas. “O que este tipo de lóbis promove é um preconceito contemporâneo que é a taurofobia, um julgamento preconceituoso e desrespeitador em relação a alguém que gosta da arte tauromáquica”, sublinha.

“Na vida como na praça”
O dirigente garante que, nas escolas de toureio, as actividades de campo, que implicam contacto com animais, só se realizam a partir dos 12 anos. Abaixo dessa idade, o que existe é o “toureio de salão”. “É só os gestos, a coreografia, a técnica, sem animal”, explica.

Nas actividades de campo, relata, as crianças começam por aprender a tourear com vacas bravas. Depois, por volta dos 16 poderão fazê-lo com um novilho – animal entre dois a três anos de idade. Só quando forem matadores profissionais, é que poderão enfrentar um touro – animal com quatro ou mais anos -, o que só acontecerá “depois de terem uma carreira de novilheiro” e normalmente a partir dos 18. “Abaixo desta idade são casos excepcionais”. Quanto ao facto de haver idas a Espanha para matar touros, explica que quem vai são os novilheiros que têm, regra geral, 16 ou mais anos. “Um novilheiro de 16 anos que queira ser matador profissional tem de procurar a lide completa e é aí que normalmente vai a Espanha”, argumenta.

Apesar de em Portugal a regra ser a proibição da morte de touros em público, Hélder Milheiro admite que as crianças estão a aprender a serem matadores de touros. Porém, serão “muito poucos” os que terão uma actividade profissional na área e aqueles que o quiserem, terão de “emigrar”. “É um absurdo português. Não há tauromaquia completa em Portugal”, lamenta.

Hélder Milheiro defende que a tauromaquia ensina às crianças “valores educativos e humanos”. Enumera “a ética do respeito ecológico”, porque o touro é criado tendo “uma vida com um bem-estar extraordinário” no campo, que “preserva a biodiversidade das áreas em que está” e que não é morto “de forma industrial”.

“O toureiro ou forcado é um representante dos valores do homem. Da superação do medo, do controlo do gesto, da tranquilidade, da excelência humana, da procura da sensibilidade e coragem. Temos de estar na vida como um toureiro está na praça”, diz. E acrescenta: “O touro morre a enfrentar um homem que coloca a sua vida em risco. É uma prova de respeito e consideração pelo animal. E com essa morte criam-se valores que são educativos e profundamente humanos. Não é um espectáculo bruto de sangue. É uma arte que necessita de iniciação, de conhecimento”.

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