Advogada de Carlos Santos Silva acusa autoridades de “sequestro”

Paula Lourenço escreve que a investigação “humilhou, ridicularizou, espezinhou” o segredo de justiça.

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Paula Lourenço, numa imagem de 2009, quando defendia dois dos arguidos do caso Freeport Pedro Cunha/Arquivo

Je ne suis pas Charlie. Je suis avocat!” O título do artigo de opinião publicado no boletim da Ordem dos Advogados remete para mais um texto sobre os atentados de Paris. Mas, na verdade, é assinado pela advogada de Carlos Santos Silva e Gonçalo Trindade Ferreira, arguidos no mesmo processo de José Sócrates. Paula Lourenço, sempre num contexto de “suponhamos”, descreve supostas ilegalidades na recolha de prova e interrogatório dos seus clientes, como a privação da presença da defesa, de banho e roupa lavada ao longo dos dias em que estiveram detidos. Fala mesmo num “sequestro” e acusa ainda as autoridades de “violência” e de darem aos jornalistas informações para promoverem “um clima populista de condenação dos suspeitos na praça pública para justificar medidas menos ponderadas ou ilegais ou injustas".

No artigo, Paula Lourenço começa por dizer que “o direito de defesa é sagrado” e que “o segredo de justiça é excepcional”, já que quando existe os investigadores conhecem todas as diligências e os arguidos e advogados só acedem aos que lhes é facultado. A advogada parte então para um exercício de “vamos a um supor”, em que, sem nunca referir nomes, dá datas e factos que coincidem com o caso Sócrates.

Paula Lourenço, que representa o advogado Gonçalo Trindade Ferreira (o único arguido que não ficou em prisão preventiva) e o empresário Carlos Santos Silva, amigo de longa data do ex-primeiro-ministro, arranca a dizer: “Suponhamos que existia um processo em segredo de justiça iniciado em Julho de 2013 de que falavam os jornais, em particular a partir do Verão de 2014; Suponhamos que para essa investigação e na sequência, com certeza, de promoção do Ministério Público, emitiu o juiz de instrução três mandados de detenção fora de flagrante delito para serem usados pelos órgãos de polícia criminal nos dias seguintes à sua emissão”. Sempre em termos de “suponhamos”, a advogada avança um cenário em que os mandados não foram entregues aos dois clientes quando foram detidos, o que os impediu de chamar um advogado.

O artigo critica a “forte escolta” com que os suspeitos foram detidos e revistados, mais uma vez sem mandado, e assegura que as buscas decorreram “na casa de um dos putativos detidos” e “complementadas com interrogatório de várias horas ao seu cônjuge” – de novo sem mandado. Paula Lourenço refere-se aos detidos como “vítimas do sequestro ocorrido no dia 20 de Setembro de 2014”, um dia antes de José Sócrates, e refere que no caso de Gonçalo Trindade Ferreira as buscas decorreram tanto em casa como no seu escritório, sem que as pudesse acompanhar. A advogada critica a “violência com que despejam gavetas e circulam em passo militar pela casa”, na presença da mulher e filhos pequenos do cliente que assistiram a tudo “horrorizados”. 

É também dito que os autos de busca são falsos e não indicam o lugar verdadeiro onde os documentos, telefones, dinheiro e computadores foram apreendidos, dizendo sempre que foram no único local para o qual havia buscas autorizadas. Paula Lourenço garante que só no dia seguinte os suspeitos tiveram direito a advogado e, mesmo assim, por pouco tempo. “Suponhamos agora coisas descabidas: suponhamos que os arguidos, durante os cinco dias que duraram as diligências de primeiro interrogatório para aplicação de medidas de coacção, não tiveram sequer direito a tomar banho, a mudar de roupa, a apresentar-se condignamente perante o juiz (…) Suponhamos que é o advogado quem, diariamente, e torpedeando a ordem expressa dada à PSP e ao estabelecimento prisional junto da PJ, leva aos seus clientes roupa interior e camisa lavada que os arguidos trocam à pressa”.

O artigo prossegue enumerando casos em que a informação sobre a imputação dos factos foi apresentada em jornais com uma “súmula perfeita” e refere que “interessava a uma particular investigação instrumentalizar a comunicação social (…) no sentido de conferir um mandato directo do povo aos juízes, garantindo uma ‘legitimidade’ de actuação e uma garantia de bastarem as suspeições onde falham os factos”. Paula Lourenço destaca a permanente “violação do segredo de justiça”, dizendo que tomaram conhecimento de factos pelos jornais “castrando-se assim o seu direito a defesa”.

A advogada contraria também a tese de perigo de fuga que levou o juiz Carlos Alexandre a decretar prisão preventiva a Carlos Santos Silva, reforçando que o empresário com as contas congeladas jamais poderia seguir com um plano desses. Todas estas situações levam a advogada concluir que os arguidos têm agora de se defender também no campo mediático, mesmo que seja necessário passar por cima do segredo de justiça: “Se a investigação – ela mesma – humilhou, ridicularizou, espezinhou o sigilo de que diz necessitar para prosseguir o seu trabalho, deve ainda assim o advogado ficar refém de uma qualquer ressonância criminal do segredo de justiça?”

Gonçalo Trindade Ferreira e Carlos Santos Silva conheceram as medidas de coacção no dia 24 de Novembro, na mesma altura em que se soube que José Sócrates ficou em prisão preventiva, indiciado pelos crimes de fraude fiscal qualificada, corrupção e branqueamento de capitais. Trindade Ferreira ficou proibido de contactar com outros arguidos no processo, de se ausentar para o estrangeiro e obrigado a apresentações bissemanais no DCIAP, indiciado por fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais. Já a Carlos Santos Silva, que também ficou em prisão preventiva, foram-lhe imputados suspeitas dos mesmos crimes, acrescentando-se o de corrupção.

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