Acolhimento familiar no Reino Unido

Que as autoridades públicas façam tudo o que estiver ao seu alcance para reverter decisões que se comprovem injustificadas, nestes casos e noutros semelhantes, garantido que estes bebés e crianças podem regressar às suas famílias e viver com os seus pais, irmãos e avós.

Quando estava hoje a arrumar a roupa, a minha mulher bateu com o lábio num cabide por distração e fez um hematoma. Vamos supor que ia ao hospital e o médico suspeitava de que ela teria sido vítima de violência doméstica. Contactava os serviços de Segurança Social que, de imediato, a colocavam numa casa ou numa família de acolhimento, impedindo o seu regresso a casa, apesar das nossas explicações de que se tratara de um mero acidente.

Daí em diante, os contactos que passaria a ter com ela eram curtos, ocasionais, e rigorosamente vigiados por técnicos que procuravam avaliar a qualidade afetiva da nossa relação. Finalmente, concluíam que eu era perigoso e separavam-nos definitivamente. O caso ainda assumiria contornos mais assustadores se as entidades envolvidas no processo tivessem interesse em retirar adultos da companhia dos seus companheiros ou companheiras e obtivessem vantagens económicas da sua colocação noutro contexto de vida.

Uma história impensável, poderão pensar, e com razão. De facto, aproxima-se da ficção, quando os seus protagonistas são pessoas adultas. Todavia, a reportagem «Love You Mum» (acessível em youtu.be/r7IIc8OuN44 e youtu.be/j9kirSKHg8c), de Ana Leal, que a TVI apresentou na semana passada, demonstrou como esta ficção se pode tornar um pesadelo real, quando os envolvidos são bebés ou crianças. Quais são os aspetos negativos que a reportagem evidencia e que colocam em causa a confiança no sistema inglês?

Desde logo, as razões invocadas para a retirada, causas menores ou inexistentes. De acordo com os testemunhos, os fundamentos que justificaram uma decisão tão devastadora prendem-se por exemplo com não levar o bebé ao hospital, quando isso deveria ter acontecido (e de facto aconteceu), situações de violência doméstica sobre a mãe, que é duplamente penalizada com a retirada dos filhos, ou não receber em casa enfermeiras após o nascimento do bebé.

Nestes processos, os comportamentos individuais e familiares passam a ser controlados ao pormenor e subordinados a um controlo severo, perante serviços que se revelam frios e distantes. Vemos pais e mães quebrados, acusados de violência ou de incompetência, a lutar pelos seus filhos, desesperados, face a um sistema absurdo e imperscrutável.

Falta com certeza a perspetiva dos serviços sociais ingleses. Seria importante escutar a sua versão dos factos. Todavia, e até prova em contrário, os danos produzidos pela intervenção aparentam ser muitíssimo superiores aos danos que as crianças poderiam eventualmente sofrer, caso não tivesse ocorrido a intervenção. Nalguns casos duvidamos que eles pudessem existir, noutros somos levados a pensar que seriam pontuais, sem histórico nem continuidade.

Os motivos e argumentos até aqui enumerados não podem nunca, todavia, servir de base para assunção de que a retirada da criança é necessariamente errada. Não obstante, esta decisão tem que se basear, evidentemente, numa investigação dos fatos e estar salvaguardada numa decisão judicial, face à oposição da família.

É oportuno recordar que a adoção e o acolhimento familiar são medidas essenciais num sistema de proteção. Rejeitamos naturalmente atuações que se centrem em interesses económicos, ocorram elas no domínio da adoção, do acolhimento familiar ou do acolhimento residencial.

Parece-me desejável que haja um acompanhamento precoce, de todos os bebés recém-nascidos, como sucede em Inglaterra, no respeito pela vida privada; que se promova a adoção de todas as crianças que necessitem de uma resposta permanente, se definitivamente não a encontram na sua família; que se promova o acolhimento familiar, procedendo-se à desinstitucionalização do sistema: em Portugal, mais de 95% das crianças ainda são acolhidas em instituições; que as famílias de acolhimento não tenham de suportar as despesas com as crianças que acolhem, como sucede atualmente em Portugal e que tenham o seu trabalho retribuído de forma digna; em suma, que todas as crianças tenham o direito de crescer numa família.

Finalmente, que as autoridades públicas façam tudo o que estiver ao seu alcance para reverter decisões que se comprovem injustificadas, nestes casos e noutros semelhantes, garantido que estes bebés e crianças podem regressar às suas famílias e viver com os seus pais, irmãos e avós.

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