A zanga dos casais

O divórcio é um dos grandes problemas das sociedades de hoje. Em Portugal, pouco se fala do assunto e podemos mesmo dizer que a ruptura conjugal se banalizou entre nós. Em muitas situações, ninguém percebe por que razão o casal se separou, uma vez que os motivos apresentados parecem insignificantes. Noutros casos, a conflitualidade é tão evidente que o divórcio não surpreende, mas a interrogação que fazemos é: por que motivo não procuraram ajuda antes de o conflito alastrar para terrenos de violência sem fim?

As estatísticas apresentadas nos media aumentam a confusão. Com frequência se lê que o divórcio está a diminuir, mas quem assim pensa esquece que esta “diminuição” está relacionada com a baixa real do número de casamentos: havendo menos contratos legais, é natural, só por isso, que existam menos divórcios. Para termos a certeza de que as uniões conjugais estariam mais sólidas, precisaríamos de seguir as trajectórias dos casamentos e das uniões de facto, o que se torna difícil.

O que sabemos, sem margem para dúvidas, é que o divórcio não existe apenas nos primeiros sete anos de casamento, como se ensinava nos cursos de terapia familiar dos anos 1980. É certo que a ruptura conjugal acontece, em cerca de 38% dos casos, até aos nove anos de casamento, mas não podemos nunca esquecer que 9,7% dos divórcios ocorrem ao fim de 30 ou mais anos de união do casal.

O divórcio é, assim, uma ameaça para os casais de hoje e uma permanente preocupação para os filhos. É frequente crianças e adolescentes conversarem depois de uma discussão que escutaram aos pais, perguntando uns aos outros se os pais se vão separar. E se é verdade que a maior parte das crianças ultrapassa as dificuldades das perdas no espaço de um ano, pouco sabemos dos dramas internos que muitas sofreram, perante as sucessivas adaptações que lhes foram exigidas.

A investigação sobre as consequências psicossociais do divórcio conclui que a separação pode ser responsável pela diminuição da saúde física e psicológica das crianças, não pela ruptura em si, mas sim pelos factores de risco a que aparece associada. Nestes factores, os mais significativos são: o conflito entre os pais, a psicopatologia de um dos pais, a redução do nível socioeconómico após o divórcio, um estilo parental inconsistente, uma relação paralela e conflituosa de um dos progenitores e baixos níveis de suporte social na nova família (Nunes-Costa, 2009). Deste modo, é evidente que um divórcio nunca ocorre sem que existam consequências negativas sobre as crianças, sendo dever de todos nós estar atentos a esse problema, pelo menos face aos casais que nos rodeiam.

O conflito parental pode ser caracterizado por zangas persistentes entre os pais, que o tribunal, muitas vezes, contribui para manter ou mesmo agravar. A zanga dos casais no pós-divórcio atinge dimensões inimagináveis: um homem e uma mulher que outrora se amaram e que são agora pais insultam-se sem a menor contenção e culpabilizam o outro por tudo de mal que possa estar a ocorrer com as crianças. Com raízes muito profundas — só compreensíveis numa intervenção terapêutica estruturada —, a zanga pode persistir por muitos anos, tendo graves consequências no futuro dos filhos.

Só é possível obter melhoria nestas situações se os dois membros do ex-casal forem ajudados no controlo destas emoções negativas: cada um terá de conhecer o seu íntimo quando está zangado e sentir o que se passa no outro quando o sente em conflito.     

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