“A violência urbana é gerível na Europa”

Os motins de Londres começaram e acabaram em dias, a revolução francesa levou meses. O politólogo Sebastian Roché falou de tendências da violência urbana numa conferência organizada pelo Conselho da Europa que reúne em Lisboa dezenas de especialistas.

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Sebastian Roché Daniel Rocha

É especializado em criminologia, e director do departamento de segurança e coesão do francês Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS). Também professor da Academia Nacional de Polícia em Lyon, o politólogo Sebastian Roché veio a Lisboa como convidado da conferência sobre violência urbana organizada pelo Conselho da Europa.

Esta quinta e sexta-feira, nas novas instalações da Polícia Judiciária, em Lisboa, dezenas de peritos internacionais e nacionais discutem questões relacionadas com a violência urbana como a prevenção, a recolha de provas e os direitos dos cidadãos. Esperam chegar a conclusões, como a definição de violência urbana, que actualmente não existe, disse ao PÚBLICO o presidente do Comité Europeu dos Problemas Criminais, Jesper Hjortenberg.

Sebastian Roché falou de tendências gerais e estratégias preventivas da violência urbana. Na sua intervenção usou mapas e infografias para mostrar como os focos de violência se espalharam num ápice em cidades como Londres, durante os distúrbios de 2011, avançaram pelo resto do país, e acabaram em dias, enquanto durante a Revolução Francesa o avanço geográfico foi feito “em meses”. As redes sociais, prevê, sem certezas, irão ajudar “a criar choques mais fortes e mais curtos”, ou “podemos antecipar que existam mais ondas”. Porém, notou, normalmente os episódios não extravasam as fronteiras dos países em que acontecem.

Não há uma definição de violência urbana. Porquê? 
É algo que se tem de criar. Se pensarmos nas ciências médicas, leva tempo até os médicos chegarem a acordo sobre como definir sintomas e como classificar algumas doenças. O mesmo é verdade em relação ao crime porque é definido por leis nacionais. E o crime é diferente consoante os países. Mesmo em França nem sequer há uma definição legal para violência urbana porque não é um crime. A violência urbana tenta descrever uma coisa que é complexa, mas depois desmonta-se em comportamentos de pessoas singulares como: ‘tu partiste a janela, tu puseste fogo ao carro, tu bateste na polícia’, etc. A violência urbana é uma noção sociológica ou política, descreve um fenómeno, não é uma definição legal.

Está a aumentar?
Não sabemos. Não temos uma definição para violência urbana, portanto não podemos medir. Só estamos a ver a ponta do icebergue, as actividades a um nível mais pequeno não passam nos media: pequenos motins, confrontos entre gangs, grupos sociais que se atacam entre si.

Muitos protestos pacíficos acabam em violência, onde é que a polícia deve intervir?
O problema é que estas coisas começam numa configuração e evoluem para outra. É aí que a gestão da multidão pela polícia entra. A manutenção da ordem pública é uma coisa, mas se alguns indivíduos começam a ser violentos e a executar acções ilegais, então transforma-se numa questão judicial. E é aí que a acção da polícia é necessária: identificação dos perpetradores, etc. 

A intervenção da polícia pode gerar violência? 
Não sendo gerida eficazmente, a acção da polícia pode de facto gerar violência. Vimo-lo em países diferentes. Se a polícia ataca alguém, isso deixa as pessoas zangadas - alguns são jovens, querem confrontar o governo, e se a polícia ataca gera um bom motivo para retaliação. Muitas vezes os polícias agem porque receberam ordens dos políticos.

Qual deveria ser a linha de boas práticas nestas situações?
A liberdade de reunião e de expressão deve prevalecer. Se as pessoas bloqueiam o parlamento não há desordem, então não há razão para a polícia intervir. As pessoas têm o direito de o fazer. A noção de desordem é a chave fundamental: num protesto pacífico a polícia não tem o direito de dispersar a multidão. 

Quando é que começa a legitimidade da intervenção?
É tudo uma questão política. Num regime autoritário, diz-se: ‘duas pessoas na rua é desordem’. Numa democracia diz-se: ‘bloquearam o parlamento por cinco horas, já chega’. Não há definição legal, estes conceitos de segurança, liberdade são políticos.

O que é que se está a passar na Europa nesse aspecto?
Alguns governos, como a Turquia, a França, a Rússia, têm a tentação de restringir a liberdade de reunião e de expressão: pedem ao Twitter para censurar o conteúdo. Outra tendência é aumentar as técnicas de video vigilância: tiram-se fotografias das pessoas, e depois se alguma coisa correr mal usam-se, tenta-se usar o poder judicial da polícia durante as manifestações.

Esta crise económica não acabou, o fosse entre ricos e pobres está a aumentar e isto tem repercussões geográficas. As cidades estão a dividir-se em sub-unidades, com bairros a ficarem muito pobres, e o que sabemos é que se alguma coisa grave acontece em bairros carenciados isso pode conduzir a motins.

Como é que se previne a violência e mantém a segurança sem exercer repressão e controlo excessivo?
Primeiro é preciso a polícia reunir informação dentro do quadro legal e partilhar com os serviços operacionais no terreno: se eles não sabem quais são os perigos, não podem adaptar a sua estratégia. É preciso dialogar com os organizadores, se forem legais. Isto é capacidade de gestão. E regulação e treino. A maioria dos organizadores quer que os protestos sejam pacíficos. 

Protestantes não pacíficos como os Black Bloc sabem como esconder o rosto, têm as suas armas e estão preparados para o confronto. Não há forma de prevenir: quando vão a algum sítio têm algo muito específico em mente. A prevenção é com as técnicas policiais tradicionais: identificam-se os tipos e tenta-se neutralizá-los.

Qual é a maior preocupação em termos de violência urbana?
As maiores preocupações é o que não se vê nas ruas. A violência urbana é algo gerível na Europa. O problema maior são coisas escondidas, como o tráfico de droga, que move enormes quantidades de dinheiro, corrupção, etc. Isto é muito mais sério do que um grupo de pessoas a lançar fogo na rua. Só que o que desafia mais os governos são os grandes protestos políticos.

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