A vil entrega

O trabalho não dignifica e mesmo assim teimamos em trabalhar.

É difícil repousar. É difícil não estar sempre a trabalhar. Mesmo nas horas livres damos connosco a ler e escrever mails, a pesquisar coisas e, acima de tudo, a pensar no trabalho.

A culpa não é só da Internet que vem como o telemóvel cada vez menos usado para fazer telefonemas. A culpa é da nossa escravidão, da nossa mentalidade de trabalhadorzinhos que julgam que trabalham só porque têm medo de não trabalhar.

Têm medo das consequências. Têm medo de ser apanhados. Têm medo que se descubra que, não fosse o trabalho que fazem, não valem nada. E mais: têm medo que, se deixarem de trabalhar, se descubra que também o trabalho deles não vale nada.

É dificílimo divertirmo-nos. Há uma força electromagnética que não nos deixa afastarmo-nos muito do trabalho, não vá a gente perder-se e encontrar algum prazer permanente de viver que possa haver por esses maus caminhos.

A verdade ainda é mais triste: não conseguimos descansar porque – secretamente ou não – gostamos de trabalhar.

O trabalho não dignifica e mesmo assim teimamos em trabalhar. Enganamo-nos com falsas separações: eu odeio o meu trabalho (aquilo que me dizem para fazer sob pena de nunca mais me pagarem) mas adoro trabalhar (naquilo a que eu escolho dedicar-me). Ou que gosto é de trabalhar para mim; não é para os outros...

Mas será? Não é sempre para os outros que se trabalha? Não é quando se tem patrão que se trabalha menos? Não é quando estamos a trabalhar por conta própria que mais nos aproximamos da autodestruição?

Às vezes combater o trabalho ainda dá mais trabalho do que trabalhar. E o pouco que resta é tão pouco que nem sequer dá para aproveitar.

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