A quem pertence a imagem das pernas da Joana?

O João, a Joana e o Facebook no tribunal.

O João teve uma relação de namoro com a Joana entre Novembro de 2013 e Novembro de 2014, relação que, nas palavras do tribunal, “decorreu normalmente”. Após o fim do namoro, João e Joana trocaram mensagens entre si, através dos respectivos telemóveis. O que também será normal.

A partir daí, as coisas descarrilaram:  o João criou vários perfis no Facebook como se fosse a Joana, sendo na realidade criados por ele com o nome e apelido da Joana e com a palavra “nua”, de forma a criar mais curiosidade nas redes sociais; aí postando duas fotos, uma em que se vêem as pernas da Joana e outra parcialmente o corpo desta numa altura em que estava a tomar banho. Estes perfis estavam abertos ao público, podendo ser vistos por um número indeterminado de visitantes, sendo que o João estava na posse das fotografias desde os tempos do namoro e no seu próprio Facebook, enviou para a Joana, a foto do chuveiro comentando a mesma: "É para tu veres que não sou mentiroso, pois o meu nome é João, isto é um cheirinho."

Claro que o João, nas palavras do tribunal, bem sabia “que não estava autorizado pela Joana a publicar as fotografias no Facebook e que agia contra a sua vontade, querendo colocar publicamente em causa o seu bom nome, honra e reputação pessoal”. Também deu o tribunal como provado que a família do João vivia “em situação de pobreza, mesmo estando a beneficiar apoio complementar não regular atribuído em géneros alimentares”  ou, ainda, nas palavras, provavelmente da segurança social, que o João estava “integrado numa família de condição socioeconómica bastante carenciada, que sobrevive em  condições limite e com recurso a apoios sociais, com uma dinâmica relacional coesa e vinculativa”.

Como já se percebeu, o namoro do João e da Joana veio a desembocar no tribunal, o que já sendo normal nos casamentos, não era nos namoros... A Joana queixou-se e o João foi condenado na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de cinco euros, pela prática de um crime de gravações e fotografias ilícitas que, entre outras coisas, determina praticar tal crime quem, sem consentimento do visado, “fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado ou utilizar ou permitir que se utilizem essas  fotografias ou filmes”, mesmo que as tenha obtido de forma lícita.

Recorreu o João para o Tribunal da Relação de Guimarães, invocando que as fotografias tinham sido tiradas com  o acordo da Joana e que, além disso, só mostravam partes do corpo da Joana, que não era reconhecível em nenhuma delas. As juízas desembargadoras Ausenda Gonçalves e Fátima Furtado debruçaram-se sobre o assunto no passado dia 21 de Novembro e não tiveram quaisquer dúvidas: a protecção do direito à imagem no nosso país impede a divulgação de fotografias nossas, contra a nossa vontade, mesmo que as tenhamos oferecido a quem as pretende divulgar. Como diz o nosso Código Civil desde 1966, “o retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela”, só não sendo necessário o consentimento, quando “assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didácticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente”.

No caso das fotografias da Joana, nada justificava a sua publicação, sendo certo que o João, ainda por cima, as publicara no Facebook com um perfil falso e com o nome a e apelido da Joana seguidos da palavra “nua” para aumentar a divulgação – e a danosidade – do seu acto. E, considerou o tribunal, que nestes tempos em que a tecnologia permite uma imensa devassa das nossas vidas, é essencial que a Justiça garanta uma protecção adequada ao direito de uma pessoa recusar a exibição/exposição da sua imagem em público, abrangendo este direito à imagem, qualquer parte do corpo. E, assim, confirmaram – e bem – a condenação do João, esperando-se que para ensinamento de muitos Joões.

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