A morte da prova

A prova de avaliação dos professores contratados já está morta. Morreu à nascença. Era um óbito anunciado: contestada pelos professores, posta em questão pela maioria dos comentadores, ridicularizada nos jornais, depressa se compreendeu que não teria futuro.

A morte surgiu antes do previsto. Quando o jornal PÚBLICO decidiu pedir a alunos do 3.º ciclo que respondessem às perguntas e ninguém reprovou, ficou à vista de todos que esta avaliação estava moribunda. O certificado de óbito assinou-se cerca de uma semana depois, quando uma escola secundária decidiu pedir as respostas aos estudantes e os resultados também foram positivos. Repare-se no insólito desta situação: uma prova que pretende avaliar professores é respondida com facilidade por alunos sem qualificações especiais. O desnorte é o signo do actual Ministério da Educação (ME).

A avaliação dos professores não é fácil e tem tido muitas vicissitudes nos últimos anos. Os sindicatos deveriam fazer da questão uma bandeira de luta, diferente das simples reivindicações de vencimentos e carreiras, mas nem sempre assim tem acontecido. Conheço alguns professores que fizeram à pressa textos de auto-avaliação, sem um trabalho de efectiva reflexão sobre a sua prática, enquanto outros ultrapassaram com demasiado à-vontade a questão das aulas assistidas. Creio, no entanto, que a maioria dos docentes que já dão aulas há anos — e sempre viram o seu futuro como incerto — passaram por diversas avaliações com mais credibilidade do que esta prova agora proposta.

O actual ME não parece preocupado com as graves questões da escola de hoje: resultados negros nos exames, no momento em que a tutela os considera o instrumento decisivo na avaliação; aumento das situações de indisciplina na sala de aula, com acréscimo impressionante de faltas e processos disciplinares; falta de trabalho continuado com os encarregados de educação, que oscilam entre a ausência na escola e a defesa tendenciosa dos seus educandos; parcial destruição, por esta tutela, de mecanismos de moderação das situações conflituais, como gabinetes de apoio aos alunos, professores coordenadores da saúde com formação específica, disciplinas como a Formação Cívica; falta de formação dos professores para lidar com alunos com graves dificuldades psicossociais, provenientes de famílias tornadas cada vez mais problemáticas pelo desemprego e a fome.

O ME insiste na valorização (?) “estruturante” do Português e da Matemática, mas aumenta a dificuldade dos docentes respectivos, ao mudar os programas de um momento para o outro e ao desvalorizar o esforço conseguido nos últimos anos, sobretudo com o reforço das aprendizagens em Matemática. A pressa em realizar esta prova e a decisão de alargar o prazo de inscrição levantam a terrível suspeita de que o ME procura sobretudo melhorar a sua difícil situação financeira: se os 45 mil candidatos se inscreverem, entram no cofre do ME quase um milhão de euros…

É natural que quase todos os professores se inscrevam. É pior do que pedir aos alunos que façam greve aos exames, quando todos sabem como isso implicará a perda de ano: neste caso, não se inscrever será o passaporte definitivo para o desemprego.
Por isso eu afirmo que a prova está morta. O contexto em que surgiu e os erros já cometidos pelo ME invalidarão qualquer tentativa de aí basear uma avaliação.

Nota: Esta crónica foi escrita a 1 Dezembro 2013

A crónica foi publicada na Revista 2, edição de 8 Dezembro 2013

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