A Lei n.º 100/2015; de 19 de agosto; uma reforma adiada?

A única coisa que o Presidente da República deveria ter feito era vetar politicamente o diploma e devolvê-lo à AR.

Foi publicada em Diário da República a Lei n.º 100/2015, de 19 de agosto, que autoriza o Governo a rever, entre outros diplomas estruturantes do nosso edifício jurídico-administrativo, o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), e o Código dos Contratos Públicos (CCP).

A promulgação da referida Lei de Autorização pelo Presidente da República, condição de validade da própria Lei, deu-se no passado dia 13 de agosto, num momento em que é já conhecida a data das eleições para a Assembleia da República, que realizar-se-ão no dia 4 de outubro de 2015, domingo. Como é sabido, a data foi definida pelo Presidente da República a 22 de julho de 2015, curiosamente a mesma data em que foi aprovada a Lei de Autorização aqui em causa.

A promulgação pelo PR desde diploma — que, repete-se, é da maior importância, na medida em que autoriza o Governo a mexer nos diplomas base do nosso direito processual administrativo , suscita me a maior das perplexidades, considerando a escassa distância temporal que dista do próximo dia 4 de outubro.

Com efeito, a lei em apreço determina que o Governo tem 180 dias para cumprir com a autorização conferida pela Assembleia da República. Ora, sendo embora certo que, do ponto de vista formal, o atual Governo se encontra na plenitude das suas funções, a verdade é que, no meu entender, a sua liberdade de atuação se encontra (ou deve estar) condicionada a partir do momento em que são convocadas eleições, equiparando-se em grande medida aos chamados "governos de gestão". Aliás, o próprio Governo mostra-se ciente dessa realidade, quando, por exemplo, pretende introduzir a limitação de que, a partir da data de convocação de eleições, não pode proceder a nomeação para cargos de direção superior na administração pública.

Perante este quadro, considerando que, nos termos do n.º 4 do artigo 165.º da CRP, as autorizações caducam com a demissão do Governo a que tiverem sido concedidas, com o termo da legislatura ou com a dissolução da Assembleia da República, e atentando na vasta extensão do sentido e limites conferidos ao Governo, por exemplo, em matéria da revisão do CPTA, é para mim completamente incompreensível a posição adotada pelo Presidente da República, ainda que a mesma tenha respaldo na letra da Constituição. A única coisa que o Presidente da República deveria ter feito era vetar politicamente o diploma e devolvê-lo à AR, ao abrigo do artigo 136.º, n.º 1, da CRP, sendo fundamentos bastantes para tal os que acima procurei explicitar.

Consumado mais um exemplo de errada perceção dos poderes presidenciais pelo atual detentor do cargo, resta ainda a esperança de que o governo ainda em funções demonstre sentido de Estado e deixe cair a Lei n.º 100/2015, deixando para o governo que sair das próximas eleições a tarefa de concluir querendo a anunciada revisão de diplomas que são verdadeiras traves mestra do nosso direito administrativo. Será isto possível, ou este ato de fé não passa de uma vã quimera? Os próximos dias o dirão.

Jurista, Mestre em Direito 

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