A invasão dos vectores transmissores de doenças?

É fundamental manter o investimento na procura de novos conhecimentos da biologia dos vectores.

Diariamente somos expostos a uma vasta informação sobre alterações climáticas aumento de temperatura, subida do nível do mar, catástrofes intermináveis... Alarmismo à parte gostaria de acrescentar mais um motivo de preocupação: a invasão de vectores transmissores de doenças.

No âmbito das doenças infecciosas, o termo vector refere-se normalmente a artrópodes, sobretudo mosquitos e carraças que se alimentam de sangue e transmitem vírus, bactérias e parasitas que provocam doenças com morbilidade e mortalidade elevadas. São exemplos maiores a Malária e a Dengue, mas também a borreliose de Lyme, a doença do sono, a febre amarela, a febre do Nilo Ocidental e as infecções pelos vírus Chikungunya.

As alterações climáticas podem potenciar a invasão de vectores em novos territórios, gerando danos na economia, ambiente e saúde. Se adicionarmos à sua expansão geográfica os movimentos populacionais, as migrações e o turismo temos todas as condições para que as doenças normalmente circunscritas aos trópicos se globalizem.

A introdução de espécies invasivas de mosquitos exóticos tem vindo a ocorrer de um modo silencioso mas gradual. Desde os anos 90, o mosquito Aedes albopictus tem-se propagado através da Europa e atualmente encontra-se em quase todos os países do Mediterrâneo, onde já foi implicado em várias epidemias de Chikungunya e Dengue. Embora não tenha sido detectado em Portugal, a sua chegada é uma questão de tempo, e uma vez estabelecido, a introdução da Dengue em território continental será quase uma inevitabilidade. Após a introdução do mosquito Aedes aegypti na Madeira, foram necessários apenas 7 anos para que um surto de Dengue ocorresse. As suas proporções não foram catastróficas devido à rápida e eficiente atuação das autoridades e à colaboração entre instituições e peritos, tendo o Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT) desempenhado um papel importante no aporte do conhecimento e operacionalidade.

A malária é a doença transmitida por vectores mais letal e embora pareça uma ameaça distante a possibilidade de Portugal se tornar de novo um país endémico é real. A malária era endémica na maioria dos países de clima temperado, e em Portugal foi apenas declarada oficialmente erradicada pela OMS em 1973. Contudo, este certificado não garante a manutenção do parasita fora das fronteiras. A Grécia, igualmente certificada em 1974, nos últimos anos tem reportado regularmente casos de transmissão local (ou autóctone) de malária. Assim, às alterações climáticas há que adicionar a crise económica como facilitador da introdução dos vectores transmissores de doença. O controlo dos mosquitos e das doenças transmitidas por eles necessita dum sistema de saúde integrado que não é compatível com cortes orçamentais, normalmente associados a ameaças perceptivelmente pouco importantes. Infelizmente no contexto de uma visão de Saúde antropocêntrica e focada na doença, o controlo dos vectores é frequentemente visto como uma necessidade menor.

Estamos preparados para estas ameaças e para o impacto que poderão ter na sociedade, economia e sistema de saúde? O nosso estado de preparação é bastante positivo. Portugal produz investigação científica de grande qualidade nesta área do conhecimento e o IHMT encontra-se na linha da frente. Existem estruturas como a Rede de Vigilância de Vectores (REVIVE) coordenada pelo Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA). E, após o surto de dengue na Madeira, o Governo criou uma plataforma de especialistas e investigadores em saúde pública e entomologia com o objectivo de elaborar um plano de contingência para a entrada de vectores de doenças em Portugal continental, estando envolvidos neste esforço a Direção Geral da Saúde, o INSA e o IHMT.

Neste cenário a vigilância entomológica para a detecção rápida de vectores invasores é essencial para avaliar os riscos associados às doenças transmitidas por vectores e, deste modo, prevenir e controlar precocemente os surtos epidémicos. Iniciativas isoladas ou atividade sem continuidade não irão combater esta ameaça. É fundamental manter o investimento na procura de novos conhecimentos da biologia dos vectores, nas interacções destes com os organismos patogénicos, e a sua aplicação em alternativas eficazes e inovadoras aplicadas em estratégias integradas de controlo envolvendo cientistas, decisores e a sociedade civil.

Subdirector do Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT)

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