A grande mentira

No domingo, ao pôr-do-sol, vi o primeiro céu, mar e terra do ano: um Rothko implausível de rosas e azuis-claros.

"Em Abril, águas mil". Até nas medições oficiais sabemos que chove mais no mês de Abril do que no mês de Março. Mesmo assim, por causa da promessa da Primavera, caímos sempre na mentira de Abril, acreditando que, desta vez, vai ser diferente.

Quando adiantamos o relógio, cria-se a ilusão de os dias acabarem, de repente, uma hora mais tarde. É mais uma hora de sol. Já estamos no horário – sustenham o riso ou o uivo – de Verão.

No entanto, há uma coisa fundamental que muda em Abril: a atitude. Os dias podem ser frios, mas já ninguém aceita filosoficamente o facto: cedemos, aliviados, ao queixume dos injustiçados. Parece impossível.

Os dias de Abril têm horas de chuva e de sol, mas só ligamos às primeiras. As segundas deixam de contar. No Inverno, uma hora de sol era um paraíso imerecido e inesperado. Em Abril, é uma vigarice, uma mentira denunciada pela chuva que se segue.

Abril é o mês da impaciência. Maio também nunca é a pêra doce das canções. Até Junho – Junho! – desilude. É fácil desiludir quem muito se ilude. Estas coisas, vistas do primeiro dia de Abril, tendem a deprimir.

Todos os meses mentem. O que é estranho é esperarmos que sejam verdadeiros. O tempo muda, mas as nossas expectativas continuam as mesmas. Somos nós as estações imutáveis, eternizadas por tudo o que ficou escrito acerca delas.

No domingo, ao pôr-do-sol, vi o primeiro céu, mar e terra do ano: um Rothko implausível de rosas e azuis-claros.

Chegou-me. Mas não chega: é Abril.

 

 

 

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