A comunicação social e a justiça

A comunicação social não constitui qualquer entrave à boa administração da justiça.

A mediatização dos últimos casos de detenções e prisões preventivas de personalidades colocadas no topo da administração pública tem gerado críticas ao que chamam “justiça-espectáculo” e “comunicação violadora do segredo de justiça”. Tal circunstancialismo merece uma breve reflexão sobre o tema.

Foi a partir da década de 80 que alguns julgamentos começaram a atrair a atenção dos órgãos de comunicação social, não só pela natureza dos crimes investigados, mas sobretudo pelas figuras públicas envolvidas nesses processos. A vida política era até então um mundo à parte, como que subtraída à jurisdição dos tribunais e à sindicância da comunicação social. Entretanto, os meios de comunicação social, com o 25 de Abril, haviam já adquirido um estatuto de independência, o que levou ao início da investigação jornalística de factos suspeitos, quando constituíam escândalos de corrupção ou crimes de “colarinho branco”. A “descoberta” dos tribunais pelos media suscitou questões novas na administração da justiça entre os profissionais do foro e os jornalistas, o que levou o Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados a chamar a atenção para o fenómeno, emitindo um comunicado (JN-07.05.94), chamando a atenção para o facto de a independência dos tribunais se colocar em termos diferentes daqueles em que se colocava anteriormente e alertava os operadores judiciários para a necessidade de preservar o segredo de justiça e de evitar que o público fique com a sensação de que as decisões judiciais são proferidas de acordo com “a verdade e o juízo” previamente definidos pela comunicação social.

Creio existir um amplo consenso sobre a necessidade de sensibilizar os juízes, logo na sua formação, para as virtualidades de um são relacionamento com o público em geral e os profissionais da comunicação social, em ordem a salvaguardar a dignidade e a imagem da justiça. De igual modo, importa consciencializar os jornalistas para as especificidades e os interesses particulares em jogo na actividade judicial, nomeadamente para o respeito do princípio constitucional da presunção de inocência.

A comunicação social não constitui qualquer entrave à boa administração da justiça, antes traduzindo a sua participação nos actos públicos, numa amplificação da publicidade dos julgamentos, permitindo uma fiscalização indirecta pelo povo da forma como é exercida, em seu nome, a justiça em Portugal. Sem perder de vista que os jornalistas e os magistrados obedecem a lógicas de actuações diferentes, é manifesto que o direito a informar não é, em absoluto, incompatível com o direito a um julgamento sereno, a efectuar na sede própria, a que todos os cidadãos têm direito. A opinião pública é a melhor garantia de fiscalização da justiça, servindo tanto para reforçar a autoridade do poder judicial perante os outros poderes do Estado como para proteger os cidadãos dos eventuais abusos dos tribunais. Neste contexto é que se coloca a questão de saber qual o papel da comunicação social na correcção dos vícios da justiça, enquanto órgão do poder do Estado democrático. A justiça e a publicidade, quando correctamente ligadas, poderão propiciar maior garantia da independência dos tribunais aos olhos dos cidadãos.

Por isso, à comunidade jornalística impõe-se uma reflexão acerca dos valores universais que a legitimam no modus operandi, nas suas investigações, em busca da verdade, na certeza de que se demitem das suas funções quando hesitam no seu dever de livre crítica. Ao abraçar e manifestar a ética que contempla os valores do humanismo, dentro de uma perspectiva de pluralismo e liberdade de expressão, os media desempenham um papel importante na evolução das mentalidades e das culturas e na correcção de eventuais comportamentos desviantes na actividade política e judicial.

Juiz desembargador jubilado

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