A areia molhada

A areia molhada é como a pré-história: já estivemos aqui antes.

É quando nos cruzamos com o mundo ou com a vida (tomando parte, lendo, nadando, fazendo amor, descobrindo, atacando uma posta de bacalhau cozido) que mais bem compreendemos os milhões de séculos antes de nascermos.

Este Verão em Colares tem sido um Natal de nevoeiro com as mais agradáveis temperaturas da Primavera. Conhecemos um escritor argentino que mora perto de Madrid e que veio para a Praia das Maçãs para descontar 14 graus centígrados aos 38 que lá não aguentava.

Na segunda-feira o céu abriu. O branco é bonito mas cansa. O azul claro é tão bonito que nem sequer se repara nele. Não reparar, não agradecer e não ter a mínima noção da sorte que se tem é a melhor definição de felicidade que conheço.

Há praias que só existem quando a maré está baixa. São milagrosas. São as praias de areia molhada. As rochas que nos dão sombra estiveram mergulhadas no Atlântico há poucas horas atrás. Enquanto a maré está a vazar essas praias acalmam quem lá foi parar. Quando a maré começa a encher - acabando por inundar, violentamente, o areal temporário a que errada e afectuosamente chamámos praia - sentimos um medo verdadeiro de sermos sumariamente afogados.

As marés são as nossas mães. As praias são os nossos pais. Raramente se combinam. Estão mais indiferentes do que interessadas em matar-nos ou tornar-nos indiferentes ao que acaba por acontecer.

A areia molhada é como a pré-história: já estivemos aqui antes. É estranho e bom podermos lá voltar.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários