Oitenta pessoas protestam frente ao Ministério da Educação contra “abate cego das escolas”

Manifestação contra o fecho de 311 estabelecimentos contou com autarcas, pais e representantes da Fenprof.

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A lista de Nuno Crato prevê o encerramento de 311 escolas Miguel Manso

Silenciosas, ordeiras, em conversas amenas com vizinhos ou outras pessoas conhecidas em plena manifestação, mas de cartazes em punho. Foi desta forma que cerca de 80 pessoas se manifestaram nesta quinta-feira no passeio que separa as duas faixas da Avenida 5 de Outubro, frente ao Ministério da Educação, em Lisboa, ao som de músicas de Sérgio Godinho. Em causa está o “não ao abate cego das escolas”, como indica um dos cartazes, na sequência da lista com os 311 estabelecimentos que o ministro Nuno Crato quer encerrar já em Setembro.

A concentração contra o encerramento das escolas do primeiro ciclo e em defesa da escola pública foi organizada por autarquias, contando também com a colaboração de pais e da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), que está a dar apoio jurídico às autarquias que decidiram avançar com providências cautelares para tentar travar o processo. Da lista dos 129 concelhos onde vão fechar escolas, pelo menos dez ameaçaram levar a contestação até aos tribunais – pelo que se alguma providência cautelar for admitida os seus efeitos são suspensivos.

Nas contas dos sindicatos, desde 2002, altura em que arrancou o programa de reorganização da rede escolar do primeiro ciclo, já foram fechadas mais de 6500 escolas. Foi por isso que o secretário-geral da Fenprof decidiu marcar presença no protesto, defendendo que “as escolas devem ser acarinhadas para que seja possível o mundo rural”.

Mário Nogueira garante que não estão contra o fecho de escolas por isso pôr em causa o lugar de alguns docentes, mas sim porque “ninguém tem o direito de obrigar crianças a fazer sacrifícios” e por o processo estar a ser conduzido de forma “administrativa”. O sindicalista refere-se, sobretudo, às distâncias que algumas serão obrigadas a percorrer, explicando que em muitos casos não são os quilómetros que estão em causa mas o tempo que têm de andar “de terra em terra” a apanhar todas as crianças do concelho.

Andreia Gaspar, de 30 anos, veio de Estarreja para participar no protesto. O transporte de quase 40 pessoas foi organizado pela autarquia. O filho Diogo frequenta o 2.º ano na escola que vai fechar em Santo Amaro. Ao todo são três no concelho. “Eu andei naquela escola, os meus filhos também. Está lá o Diogo e tenho o mais pequeno com três anos que ainda não inscrevi porque não sei o que vai ser disto a 15 de Setembro”, explica Andreia Gaspar, que está contra o encerramento da escola, não só porque tem mais de 70 alunos, mas também pelas condições. “Temos refeitório, temos tudo. A escola até tem aquecimento central e quadro interactivo”, acrescenta, dizendo que não acredita que a autarquia consiga assegurar transporte para todos, apesar de a distância não ser muita.

Fecho de serviços no interior
Poucos metros ao lado, Maria Arcelina Moreira, de 65 anos, luta pela escola da Fermelã, também em Estarreja. Não se conforma com o fecho, ou melhor, com os fechos. “Vim fazer força para a escola não fechar. Estamos na última freguesia do concelho. Se nos tirarem a escola que é centenária mas é tão boa, o infantário vai atrás e ficamos sem crianças. Já nos tiraram tudo no interior. Fecharam os correios, que agora só abrem um dia por semana e é a junta de freguesia que paga. Só temos médico uma manhã por semana e se quisermos receitas podemos pedir-lhe, mas temos de as ir levantar a Salreu”, que, adianta, fica a meia hora a pé, “pois muitos não têm transporte”.

A qualidade dos estabelecimentos que vão fechar é, aliás, um dos motivos invocados por mais presentes, assim como a temida desertificação das aldeias. A presidente da Junta de Freguesia de Alpalhão, no concelho de Nisa, assume que foi com “perplexidade e surpresa” que soube que a escola de Alpalhão, com mais de 50 anos, iria fechar. “Ainda há um ano abrimos um centro educativo de apoio com refeitório, sala multiusos, biblioteca… foi um investimento de cerca de um milhão de euros. Para quê?”, questiona a autarca da CDU. Também Sandra Braz, vereadora da CDU na Câmara de Cuba, queixa-se do fecho da escola de Vila Ruiva que acredita que “acrescentará maior empobrecimento e desertificação” àquela zona.

Do lado dos pais está também presente Rui Martins, da Federação Regional das Associações de Pais de Viseu. O representante explica que estão em causa mais de 50 escolas naquela região. “Temos de facto algumas escolas com menos do que os 21 alunos de que tanto falam, mas estão a esquecer-se da neve e das intempéries nesta zona, em que se fecharem escolas, com os cortes das estradas as crianças ficam parte do Inverno em casa”, justifica.

A manifestação surge depois de o Governo ter anunciado recentemente a intenção de encerrar mais escolas do 1.º ciclo com menos de 21 alunos (o número mínimo exigido por lei para manter uma escola em funcionamento). Ao todo, a tutela quer encerrar 311 estabelecimentos, muitos dos quais pretendia já ter fechado neste ano lectivo que agora termina, mas que acabaram por se manter.

Queda no número de alunos
No universo das escolas a encerrar encontram-se, porém, 133 escolas com mais de 21 alunos, mas estes casos, segundo adiantou na altura o secretário de Estado da Administração Escolar, João Casanova de Almeida, decorrem da proposta das próprias autarquias, bem como de compromissos assumidos na candidatura a fundos comunitários para a construção de centros escolares. Nas contas deste governante, 68 das 311 escolas a encerrar foram propostas pelas autarquias, tendo havido acordo em 67,5%. Em 8,5% destes casos houve discórdia declarada e nos restantes 24% “as autarquias não se pronunciaram sobre as propostas apresentadas”.

Numa altura em que se debate a reorganização das escolas, a Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência publicou um relatório que indica que em 2012/2013 o número de alunos a frequentar os estabelecimentos de ensino do país entre o pré-escolar e o ensino secundário baixou em relação ao ano anterior. No total, foram inscritos menos 13.379 estudantes, apesar de a população escolar que frequenta o ensino secundário ter aumentado, na sequência do alargamento da escolaridade obrigatória. O ensino básico, com menos 20.896 alunos, foi o mais afectado pela quebra de natalidade e pela emigração. No último ano lectivo frequentaram o 1.º ciclo, do 1.º ano ao 4.º ano, 438.699 crianças, menos 12.794 do que no ano anterior.

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