60 dias, 60 aeroportos e um avião para chegar a crianças doentes

Fernando Pinho criou The Amélia Project. Vai oferecer voos a crianças com cancro. Vai transportar médicos, enfermeiros e voluntários que prestem ajuda a populações atingidas por desastres. E para isso conta com um avião preparado para aterrar em terra batida. A recolha de fundos para as missões já começou. E de uma forma original.

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O público poderá acompanhar a aventura de Fernando Pinho e decidir cada destino Nelson Garrido
Imagem do avião que será usado no The Amélia Project
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Imagem do avião que virá a ser usado no The Amélia Project, quando as missões começarem a acontecer DR

Em 2013, as ideias começaram a juntar-se, no ano passado ganharam forma e o projecto acabaria por ser apresentado a várias organizações não governamentais (ONG). Este ano, The Amélia Project ganha asas para voar. Fernando Pinho, natural de São João da Madeira, programador cultural e encenador, a viver em Londres desde 2007, decidiu concretizar o que lhe ia na alma. Criou uma ONG em Londres e baptizou-a com o nome da filha Amélia, que tem quase dois anos.

Quer oferecer voos a médicos, enfermeiros e voluntários que ajudem pessoas em regiões pobres, atingidas por desastres naturais, fustigadas por doenças — na Europa, África e Médio Oriente. Mas também a crianças e adultos com doenças graves que precisam de voar para ter cuidados de saúde em hospitais fora dos seus países. E a organizações que realizam sonhos a crianças com doenças terminais. “Quero demonstrar que a sociedade civil, quando se junta, tem mais poder do que qualquer força política”, diz ao PÚBLICO.

Este projecto tem um avião especial que terá gravado o nome de todos os que contribuam para esta missão. E Fernando Pinho delineou uma maneira pouco comum para divulgar o que pretende fazer. Nesta terça-feira entrou no aeroporto de Gatwick, em Londres, e durante 60 dias viverá em 60 aeroportos de mais de 30 países, viajando, sempre que possível, em companhias low cost — o avião do projecto não entra em acção nesta parte.

Fernando Pinho parte com uma mala de mão, uma muda de roupa, mas muitas de roupa interior, produtos de higiene, uma pequena toalha, e um tablet para estar em contacto com o mundo. O público poderá acompanhar esta aventura e decidir cada destino — em www.facebook.com/theameliaproject, www.theameliaproject.eu e pelo Twitter @theameliaproj.

“Cada dia, tenho de atingir o objectivo de angariação de fundos que está definido. Se conseguir alcançá-lo, no dia seguinte voo para o próximo destino votado pelo público. Caso contrário, ficarei retido até atingir o valor. Não posso sair do terminal do aeroporto e, como tal, estarei 60 dias sem dormir numa cama e sujeito às condições que cada aeroporto oferece”, revela. A pressão física e psicológica causada pela fadiga será uma dificuldade.

A ideia é sensibilizar a opinião pública para a ONG nascida em Londres pela mão de um português. A cada dia que passa, mais informação será dada. “Além de darmos a conhecer o projecto, queremos sensibilizar as pessoas para as causas que apoiamos, angariar fundos que nos permitam realizar dezenas de voos gratuitos e convidar o público a fazer parte do projecto.”

“Pelos mais de 35 países que espero visitar, irei encontrar-me, sempre no aeroporto, com outras ONG e imprensa nacional”, prossegue.

A única excepção acontecerá numa visita à ONU marcada para 16 de Abril. “O convite para ir à ONU surgiu através de uma outra ONG, Silent Tapes, apoiada pela Unicef, e que está a organizar um evento que irá reunir organizações com projectos de apoio a crianças. Será uma oportunidade única para dar a conhecer o nosso projecto e receber mais apoios.”

Aterrar em terra batida
The Amélia Project quer mudar vidas, ter impacto em milhares de pessoas. Fernando Pinho dá um exemplo do que pode ser feito: “Na Etiópia, queremos transportar crianças com deformações faciais e que muitas vezes não podem sequer sair à rua. Com o nosso avião, podemos transportar essas crianças em segurança para um hospital, onde serão ajudadas por um médico que transportamos desde o Reino Unido.”

O objectivo é ajudar quem não tem recursos financeiros com um avião ao dispor. “O projecto oferece a pequenas e médias ONG a possibilidade de responderem a pedidos que até então só podiam dar resposta gastando dezenas de milhares de euros em transporte aéreo, ao mesmo tempo que lhes permite utilizar o dinheiro que poupam nas viagens na ajuda a mais vítimas, a mais doentes.”

O avião apoiará outras ONG em missões de salvamento, em casos de desastres naturais, transportará pessoal médico para ajudar populações sem acesso a hospitais. “É o caso de crianças com cancro em países da África Central que são diagnosticadas, muitas vezes, em estado terminal. O nosso avião irá transportar médicos que permitam um diagnóstico em estados iniciais da doença e, consequentemente, um tratamento adequado.”

The Amélia Project é aberto à comunidade — para ficar mais forte, para chegar a mais gente. A ideia do crowdfunding acabou por fazer sentido. “Mais do que angariação de fundos, o crowdfunding permite-nos encontrar pessoas que, tal como nós, querem fazer a diferença”, refere Fernando Pinho.

A partir de cinco libras, qualquer pessoa poderá entrar no projecto. E este fazer parte não é assistir ao que acontece sentado no sofá. Quem quiser pode ajudar na preparação das missões, viajar com a equipa, ter o seu nome pintado no exterior do avião, fazer parte dos membros fundadores. A campanha decorre até 2 de Maio e os donativos são feitos online através do endereço http://igg.me/at/amelia.

O avião do projecto é um Pilatus PC-12 de fabrico suíço, com características únicas no mundo da aviação. Consegue aterrar em pistas de terra batida ou em relva com apenas 500 metros de comprimento, chegando assim a locais remotos. Numa hora adapta-se às missões, que podem incluir transporte de carga, transporte de passageiros ou serviço de ambulância. É considerado um dos aparelhos voadores mais seguros, utiliza duas vezes menos combustível, com emissões de CO2 semelhantes a um Volkswagen Golf, apesar de voar a uma velocidade apenas 10% inferior a um jacto. É utilizado pela Cruz Vermelha, pela Força Aérea dos Estados Unidos, pela Royal Flying Doctor Service na Austrália. Argumentos que pesaram na hora da escolha de Fernando Pinho.

Nesse sentido, foi estabelecida uma parceria com a Pilatus, no Reino Unido, que vai ceder o avião que está estacionado no aeroporto de Bournemouth, no sul de Inglaterra, a 90 minutos de Londres, a um custo muito reduzido para cada missão. O objectivo futuro do Amélia Project é comprar o aparelho, mas não é uma prioridade (o custo real é de dois milhões de libras, mais de 3,3 milhões de euros).

Este avião também levantará voo para realizar sonhos de crianças e adultos que lutem contra doenças graves. Para proporcionar momentos únicos “e permitir que passem algum tempo afastadas da rotina dos tratamentos psicológica e fisicamente violentos” a que estão sujeitos.

A maior parte das missões será realizada em parceria com outras ONG. A AMI é uma parceira, uma companheira de viagem, que recebeu o projecto de braços abertos. “Tenho uma admiração imensa pelo trabalho da AMI e pelos fantásticos profissionais e voluntários que ajudam milhares de pessoas em Portugal e pelo mundo. Conhecer o dr. Fernando Nobre foi um dos momentos mais marcantes da minha vida”, afirma.

Chamaram-lhe louco
Fernando Pinho é programador e encenador em Londres, foi director artístico da Casa da Criatividade de São João da Madeira entre 2011 e 2014. Quando era miúdo, quis ser piloto, aprendeu a voar com 18 anos, sete anos antes de aprender a conduzir um automóvel — mas esclarece que não será o piloto do avião do The Amélia Project.

No início da carreira, foi gestor no Grupo Sonae entre 1998 e 2007, ano em que fez as malas e viajou para Londres para estudar Teatro na Guildhall School of Music & Drama. Acabou o curso com distinção e recebeu o Lord Mayor Award atribuído pela cidade de Londres. Em 2010, produziu o musical The Last Five Years no Barbican Centre.

Trabalha para a Royal Opera House e para o Royal Albert Hall, entre outros espaços. Neste momento, tem nas mãos uma peça de teatro sobre as condições de vida dos cidadãos da Coreia do Norte, mas, nos próximos meses, estará dedicado em exclusivo ao The Amélia Project. É um projecto de vida e quando partilhou a sua ideia houve quem lhe chamasse louco. Gostou do que ouviu. “O mundo precisa de mais loucos, de mais mudanças radicais, de mais pessoas que se juntem à volta de projectos que só dependem delas.” Sabe que haverá problemas pelo caminho, mas diz que ajudando uma pessoa de cada vez se contribui para “um mundo mais justo, mais feliz”.

Garante que esta nova etapa da sua vida surgiu de forma natural. Lembra-se, no entanto, que quando entrou pela primeira vez no Instituto Português de Oncologia do Porto pensou: como era possível haver crianças doentes? “Perturbam-me os casos de crianças a morrerem de cancro, ou de fome, ou mesmo sem qualquer cuidado médico. Que mundo é este? Dei por mim a olhar para a minha filha, agora com quase dois anos, e a perguntar-me como a vida dela poderia ser tão diferente se não tivesse nascido na Europa, ou se não tivesse tido pai e mãe e fosse órfã num país em desenvolvimento. Que futuro e esperança lhe restavam?”

O fundador do The Amélia Project quer viver num mundo com esperança e, por isso, na sua opinião, não basta contar ao mundo histórias tristes, muitas sem final feliz. Sentiu que era hora de mudar essas histórias com um projecto que pode salvar vidas. Decidiu arregaçar as mangas e ser o “piloto” em terra de uma missão internacional.

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