Não somos TODOS contra o aborto?

O projecto-lei que acompanha a ILC é sobretudo promotor da Maternidade e da Paternidade.

Os Deputados da AR votarão hoje uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos - Pelo Direito a Nascer. Em menos de 3 meses, conseguimos, sem esforço, que 48 mil cidadãos, representando certamente muitos mais, entregassem na AR uma proposta de Lei para uma nova regulamentação do aborto em Portugal.

Tratou-se de um feito, como nos lembrou Assunção Esteves, em Fevereiro. A maior iniciativa popular alguma vez entregue. Havia que dar resposta. E comprometeu-se com isso.

Explicou à Comissão de subscritores a razão da exigência de um mínimo de 35 mil assinaturas. São os votos necessários à eleição de um deputado, com o poder de legislar. Nós representávamos essa possibilidade, essa vontade do Povo. Estávamos ali, a pedir a este Parlamento alterações à regulamentação da Lei do Aborto, 8 anos depois. Apresentávamos propostas sensatas, justas e moderadas, por razões de justiça e de equidade, pela protecção da Maternidade e da Paternidade.

Esperámos que a Democracia e a Lei se cumprissem. Mas a ILC passou por várias vicissitudes, dentro da AR, com demoras para nós incompreensíveis. Enquanto isso, apresentámo-la fora da AR. Ao Presidente da República, ao Governo, aos parceiros sociais, às Ordens Profissionais. De todos ouvimos encorajamento e sentimos respeito, por entre acordos e desacordos, sugestões.

Há uns dias, tememos o pior. A conferência de líderes entendeu que não haveria tempo para votar a ILC. Reagimos e protestámos. Parecia que o assunto queimava e que ninguém desejava comprometer-se. Seria a proximidade das eleições? Mas Assunção Esteves cumpriu a sua palavra, honrou a Democracia e determinou que a ILC fosse votada na generalidade, hoje.

Dos Senhores Deputados, esperamos que sejam capazes de defender valores e convicções, sem radicalismos extremados, preconceitos ou juízos de valor. Não estamos em campanha, a defender um Sim ou um Não. Da actual maioria, esperamos que represente o quadrante ideológico no qual foi eleita. É essa a expectativa dos cidadãos que os elegem.

A Lei do Aborto tem 8 anos. Entendemos que é tempo de avaliar e modificar alguns aspectos da Lei. Os números são claros e exigem reflexão. Chamo a atenção para alguns – Total de 144 mil abortos desde 2007. Em 2014, houve 16 mil abortos, dos quais 96,7% por opção da mulher, sem indicação médica, e 29% foram reincidências. Houve 201 abortos por 1000 nascimentos. Nos últimos anos, de forma estável, uma em cada cinco gravidezes termina em aborto. Há mais números e mais leituras que importa fazer. Por exemplo, que as reincidências aumentam todos os anos e que 30% dos abortos são feitos no privado, integralmente pagos pelo Estado.

A Inspeção-Geral das Atividades de Saúde refere no seu relatório de actividades de 2013, que são necessárias medidas para que o aborto deixe de ser visto como um método contraceptivo.

Mais importante do que os números, são as pessoas. Cada uma das pessoas. Conhecemos bem o problema no terreno. Muitos de nós trabalham em instituições de apoio à mulher grávida em dificuldade. Acompanhamos estas mães. As suas dúvidas. Conhecemos a angústia, a solidão, o risco, as histórias de vida, as fragilidades. E é em nome desse conhecimento e dessa proximidade que aqui estamos. É possível ajudar e acompanhar melhor. É esse o dever do Estado. É essa a prioridade. É esse o sentido da solidariedade.

Que não haja dúvidas. Esta ILC quer proteger as mulheres. Propõe mais apoio, mais aconselhamento, mais informação. Quer aprofundar os apoios à maternidade e paternidade. Quando possível e desejável, mais responsabilidade do pai. Propõe uma rede de centros de apoio à vida. Propõe mais eficácia na luta contra a discriminação da grávida no local de trabalho. Defende os objectores de consciência. Pretende justiça e equidade na comparticipação do Estado, nas taxas moderadoras e subsídio parental.

Em suma, posso afirmar que o projecto-lei que acompanha a ILC é sobretudo promotor da Maternidade e da Paternidade. De que tanto carece o nosso país.

Somos Todos contra o aborto, repetimos quase sempre.

Vamos então demonstrar que o somos verdadeiramente e o que isso quer dizer.

Senhores deputados, dirijo-me a todos, pedindo a vossa coragem e fortaleza. Permitam que a ILC siga o seu caminho democrático. E que na especialidade, com o vosso empenho, seja porventura trabalhada e melhorada. É isso que hoje esperamos. Muitos cidadãos pedem-vos directamente isto.

Não estamos a reviver a luta contra o aborto. Aceitamos a lei. Mas queremos ir mais longe. Peço-vos que se lembrem de tantas mulheres e de tantas crianças. Também em nome dos valores e das convicções….

Pois não somos Todos contra o aborto?

Subscritora da ILC, médica Psiquiatra

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