Museu da Pessoa colecciona histórias de vida na Internet

O museu do desconhecido. Assim se poderia chamar a esse depósito de experiências de vida de cidadãos anónimos que a Universidade do Minho (UM) começou a construir na Internet, aplicando uma ideia já testada no Brasil. O Museu da Pessoa será uma espécie de "fonte de histórias dos cidadãos comuns", elucida Carolina Leite, um dos seis elementos da UM que participam neste projecto, uma vez que, "para contar a história dos poderes, já existem os 'media'". "Neste mundo, cada vez mais cheio de objectos", acrescenta a socióloga, "a curiosidade vai deslocar-se para as pessoas, especialmente para aquelas de quem sabemos menos coisas".Mas como é que se colocam as pessoas num museu? "Não são bonecos de cera. Queremos as suas histórias, queremos que sejam pesquisáveis", explica Jorge Rocha, um dos docentes do Departamento de Informática da UM envolvidos no Museu da Pessoa. Para tornar acessíveis as experiências de vida do cidadão comum, recorreu-se à Internet: "O meio mais acessível e democrático para o fazer", sublinha Rocha. No outro lado do Atlântico, explica o docente de Informática, "a curiosidade de Karen deu origem ao Museu da Pessoa do Brasil". Esta descendente de judeus procurou perceber o êxodo, vivido pela comunidade judia, no período da Segunda Guerra Mundial. Não lhe interessavam os dados estatísticos: queria conhecer o dia-a-dia das pessoas. Assim, em 1992, surge, em São Paulo, este projecto de recolha, tratamento, arquivo e divulgação de histórias de vida. "O que me cativou mais foi o facto de achar a ideia brilhante, mas o suporte ser muito miserável, na altura", salienta Jorge Rocha, que acabou por trazer o projecto para Portugal.Neste momento, o núcleo da UM encontra-se a reestruturar o "site" do Museu da Pessoa. Depois de se terem desenvolvido processos e programas informáticos, cujos objectivos abrangiam o arquivo e tratamento das histórias, chegou a altura de "fazer um 'site'" (ver caixa), não tanto como uma experiência informática, mas de forma a torná-lo agradável ao visitante", adianta Jorge Rocha. Quanto ao financiamento, é claro: "Não pretendemos dar ao projecto uma conotação empresarial", uma vez que este se insere, essencialmente, na área da investigação académica. Contudo, isto não significa que o Museu da Pessoa tenha interesse, apenas, a nível académico. O parceiro brasileiro é exemplo disso: as histórias de vida têm servido de base para a elaboração de guiões televisivos.O tipo de sabedoria que se pretende recuperar não está relacionado, em exclusivo, com o saber fazer, mas, essencialmente, com "sentimentos, estratégias e lógicas de sobrevivência, já que a transformação social é tão violenta que vamos perdendo muitas coisas", realça Carolina Leite. Perante a mudança do conceito de família, e lamentando a perda de tradição oral, Jorge Rocha lança uma interrogação: "Qual é o miúdo que, ao serão, está a ouvir as histórias do avô?". Para sensibilizar os mais novos, o Museu da Pessoa - em colaboração com a Biblioteca Municipal de Montalegre e com alunos de Comunicação Social - está a trabalhar com as escolas primárias da região do Barroso. Com este projecto educativo pretende-se fomentar o diálogo das crianças com os avós, mas também incentivar os professores a inserir o tema das histórias de vida na área-escola. Sónia Moreira, responsável pela catalogação das histórias, guarda bons momentos deste primeiro ano de trabalho: "As pessoas contam-te coisas que não revelam a mais ninguém". Com esta iniciativa, recupera-se um espírito de cumplicidade, de "estar à lareira a contar uma história", destaca a jovem licenciada em Comunicação Social. E aponta o exemplo de um neto que contou e ilustrou - com traços de infantilidade colorida - o desgosto de amor do avô. Sónia Moreira salienta a satisfação das pessoas em contarem os seus percursos e o prazer que sentem quando vêem as suas histórias escritas. "Trabalhámos em alguns temas em que se poderia esperar alguma resistência - como é o caso das histórias de contrabando e de fronteira. Mas, de facto, as pessoas manifestam uma grande vontade de conversar", assegura Jorge Rocha. Uma das histórias que este docente retém, nas frágeis redes da memória, é a de um jugoslavo emigrado que, durante a infância, roubava balas e granadas a cadáveres. "A história mostra-nos miúdos, em tempos de guerra, à procura de coisas para se divertirem".http://alfarrabio.di.uminho.pt/mpessoa. http://www2.uol.com.br/mpessoa

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