Estalou o verniz

Ofenderam-se porque João Soares os considera como mera componente de animação da cidade. E acham que a câmara não faz mais do que o seu dever quando apoia os gays na capital, pelo que "não é preciso agradecer de joelhos". Esta posição do Grupo de Trabalho Homossexual do PSR é fortemente contestada pela Opus Gay. Quanto à ILGA, fica no meio, naquela que é a primeira grande divergência pública no seio do movimento.

Várias vezes apelidado, até em tom pejorativo, de "amigo dos 'gays'", o presidente da Câmara de Lisboa, João Soares, surge agora no centro de uma desavença entre o Grupo de Trabalho Homossexual (GTH) do PSR e a associação Opus Gay.Na origem da discórdia está um editorial publicado no boletim "Sem Medos", editado pelo GTH, que, sob o título "Oportunismos", tece todo um conjunto de críticas ao autarca "que a comunidade lésbica, gay, bissexual e transexual tem erradamente assumido como seu amigo".Neste texto, o GTH refere algumas actuações de João Soares no plano político que não se limitam à sua atitude para com a comunidade homossexual. Mas naquilo que a esta diz respeito, o boletim não hesita: "(...)A uma semana do arraial Pride, quando este estava já anunciado para o Príncipe Real em cartazes por toda a cidade, João Soares informou que este não se poderia lá realizar porque o vereador responsável (...) não o autorizava". Só que, prossegue, "o dito vereador não apenas não tinha proibido a festa, como até lá a tinha autorizado".O GTH acusa assim o autarca de ter uma "simpatia meramente instrumental" e mostra-se chocado com uma frase do presidente do município publicada na imprensa, em que Soares disse que "a comunidade gay e lésbica tem de ser acarinhada como importante componente de animação da cidade". Chocado, porque considera que esta declaração "reduz o movimento, que pugna pela defesa dos direitos civis dos homossexuais, a um grupo de folclore", explicou ao PÚBLICO sérgio Vitorino, do GTH.A Opus Gay reagiu ao editorial com um comunicado "em defesa do presidente da Câmara de Lisboa", sublinhando "não poder subscrever" o que considera "um duro ataque" ao autarca - que "tem sido uma das poucas personalidades políticas portuguesas que consistentemente tem tentado apoiar a nascente comunidade" homossexual."Sem ter de caucionar a sua restante gestão camarária", o documento da Opus Gay aponta os apoios dados pela autarquia lisboeta e pelo seu presidente ao movimento gay e lésbico: a cedência de um espaço que serve de sede à associação de gays e lésbicas ILGA e apoios à realização do festival de cinema gay e lésbico de Lisboa e do arraial Pride."Também não tem deixado de ser dialogante com as outras associações que o tentam abordar", defende ainda a Opus Gay."Entendemos que a sua actuação é positiva e encorajamo-lo a ir mais longe, diversificando os apoios que tenciona dar e as acções que tenciona desenvolver", lê-se no comunidado que remata: "O ataque movido pelo GTH do PSR só pode entender-se dentro de um estrito contexto de motivações políticas eleitoralistas, dado o PSR estar integrado no Bloco de Esquerda. Entendemos dever manter a independência partidária do nosso movimento".Sérgio Vitorino mostra-se de acordo com esta última frase, mas sublinha que o GTH está inserido num partido político, tendo portanto uma "posição muito clara". Isto ao contrário de algumas organizações não governamentais que "sofrem pressões em função de interesses que lhes são alheios, nomeadamente de partidos".Com ironia, Sérgio Vitorino lembra que o boletim "Sem Medos" não distribui mais de 200 exemplares em todo o país, pelo que a reacção da Opus Gay vem conferir-lhe "uma dimensão que ele nunca teria".E sustenta que, ao apoiar a comunidade homossexual, "a câmara não faz mais do que o seu dever", pelo que "não é preciso agradecer de joelhos". O GTH, que existe há sete anos, "até hoje só retirou votos ao partido em que está integrado, porque o movimento gay não é popular na sociedade", conclui.Como reconhece Gonçalo Diniz, da ILGA, "esta não é a primeira nem será a última" divergência a estalar no seio da comunidade homossexual, ela mesma constituída por "pessoas diferentes entre si", como diferentes são as associações que a representam.Numa posição mais conciliadora, Gonçalo Diniz diz que, embora respeite "as opiniões do GTH" não tem de concordar com elas. E sobre João Soares e a câmara a que preside, diz que têm sido "peças valiosíssimas no movimento", "parceiros inestimáveis" com cuja colaboração conta para os próximos anos.O PÚBLICO tentou ouvir João Soares sobre esta questão, mas o autarca não estava disponível.

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