Documentário sobre Gisberta exibido no Porto

Activistas tentam mostrar transfobia da sociedade portuguesa, numa tentativa
de impulsionar
uma mudança

A Academia Contemporânea do Espectáculo, no Porto, abriu anteontem à noite as portas para a exibição de Gisberta Liberdade, um documentário realizado por activistas da European Transgender Network (federação de transgéneros de toda a Europa). Um modo de marcar o "dia internacional de luta contra a transfobia em Portugal". Gisberta era transexual, sem-abrigo, toxicodependente, imigrante, prostituta, seropositiva e tuberculosa. Foi morta em Fevereiro deste ano, no Porto. Um grupo de jovens é suspeito do crime. Sérgio Vitorino, do Movimento Parentas Rosa, avisou: o documentário, que a homenageia, é obra de activistas sem qualquer experiência de produção e realização audiovisual. Foi feito com um orçamento doméstico, sem qualquer pretensão artística, com muita vontade de mudar o mundo.
O que se seguiu - após uma interessante curta-metragem de fabrico caseiro em que um transexual expunha o seu processo de mudança - foi mais de uma hora de depoimentos cruzados com imagens que, sobretudo, ambicionavam ser metáfora. Os entrevistados não somavam mais do que uma dúzia, deixando sentir a necessidade de encurtar os seus discursos e introduzir outras vozes.

Muitas críticasHá uma dura crítica aos media. A mesma das vigílias: o terem revelado "desconhecer" a diferença entre travesti e transexual, entre homofobia e transfobia, entre orientação sexual e identidade de género. Alguns activistas GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgéneros) referem até "cobertura enganosa".
A Igreja católica, responsável pela instituição onde estavam internados muitos dos menores acusados de terem assassinado Gisberta, é acusada de ter "lavado as mãos". Espaço ainda para atacar o poder judicial e político, mas também para um mea culpa das associações GLBT.
O que sobressai do documentário é a noção de que o somatório de exclusão atingido por Gisberta Salce Júnior espelha a marginalização a que os transexuais (sobretudo os masculinos-femininos) são votados em Portugal: toda a sociedade discrimina. Enfrentam dificuldades de acesso ao sistema nacional de saúde, ao mercado de trabalho, a actos tão corriqueiros como abrir uma conta bancária.
O dia de ontem, como explicou Sérgio Vitorino, encerrava uma extensa lista reivindicativa, nomeadamente "protecção na legislação penal face a crimes de ódio motivados pela transfobia" e o "total reconhecimento de género, incluindo o direito a escolher livremente os primeiros nomes". No fundo, uma lei de género como a espanhola.
Houve debate. Rute Bianca ficou emocionada: "Obrigada por estarem a fazer isto por nós. Vocês são os nossos braços, as nossas pernas, os nossos olhos, porque nós, transexuais, não podemos fazer isto que vocês estão a fazer. Seríamos logo insultados, apedrejados."

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