Divorciados recasados e diálogo ecuménico, as viragens que Ratzinger preparava

La Repubblica
diz que novo Papa
tinha prontos textos que significavam
uma revolução
no que defendia
até há poucos anos

O cardeal Joseph Ratzinger, eleito terça-feira como Papa Bento XVI, preparava-se para publicar em breve três documentos, um dos quais constituiria uma autêntica revolução: os divorciados que voltaram a casar civilmente passariam a ser admitidos aos sacramentos católicos, segundo este texto da Congregação para a Doutrina da Fé (CDF), do Vaticano, presidida até agora pelo novo Papa. A notícia, divulgada ontem pelo jornal La Repubblica, acrescenta que na secretária do então cardeal Ratzinger estariam mais dois documentos. Em ambos os casos seriam textos para ter repercussões importantes na relação com outras confissões cristãs.
Um deles diz respeito ao exercício do ministério papal, tema a que João Paulo II se referiu, em 1995. Na encíclica Ut Unum Sint, sobre o ecumenismo, o Papa Wojtyla mostrava-se disponível para rever a "forma de exercício do primado" do Papa. E acrescentava que ele mesmo tencionava "promover todo e qualquer passo útil".
O documento que está no gabinete da CDF será, provavelmente, a resposta preparada pela congregação presidida por Ratzinger ao compromisso tomado por João Paulo II.
O terceiro texto, de acordo com o jornal italiano, tratará da questão da natureza divina de Cristo e seria igualmente destinado a todas as confissões cristãs.

Prioridade ao diálogoecuménico
O objectivo de ambos os textos será o de relançar o tema do diálogo ecuménico entre cristãos (divididos em católicos, ortodoxos, protestantes e anglicanos). A confirmar-se, comprova a prioridade enunciada pelo novo Papa Bento XVI na sua primeira mensagem após a eleição.
Na quarta-feira, numa missa celebrada na Capela Sistina, com os cardeais, o recém-eleito enunciou como sua "ambição" e "dever" a promoção da "causa fundamental do ecumenismo". Para isto "não bastam as manifestações de bons sentimentos; são precisos gestos concretos que entrem nas almas e movam as consciências", afirmou na ocasião o Papa Ratzinger.
Um quarto documento que também estaria já preparado pela CDF, esse de carácter mais interno à vida da Igreja, aponta para a revisão de uma norma do Código de Direito Canónico: os bispos passariam a ter de apresentar a sua resignação do cargo aos 80 anos, em vez de aos 75, como agora acontece.

Argumentoda "inculpabilidade"
Se estas informações se confirmarem - o Vaticano não tem por hábito confirmar ou desmentir este tipo de notícias -, o documento a publicar constituiria uma verdadeira viragem na posição defendida até agora pelo novo Papa Bento XVI.
É que, ainda há poucos anos, o cardeal Joseph Ratzinger se opôs a uma tentativa de três bispos alemães, no sentido de rever a prática católica no que diz respeito à proibição de os divorciados recasados poderem comungar. Um interdito que a Igreja baseia na doutrina da indissolubilidade do matrimónio, rompida pelo divórcio.
Em 1993, um texto assinado por três bispos - incluindo dois actuais cardeais: Karl Lehmann e Walter Kasper - propunha que uma pessoa nessa situação deveria poder comungar na missa, se, em consciência, concluísse que o casamento anterior era nulo e "invivível". Mas, no ano seguinte, o então cardeal Ratzinger negou essa possibilidade, com o apoio do Papa João Paulo II.
Se agora essa norma for revista, será no sentido de admitir à comunhão as pessoas que se voltaram a casar civilmente, a partir do argumento da "inculpabilidade", ou seja, o cônjuge que se viu abandonado e forçado ao divórcio poderia voltar a comungar já sem proibição da parte da Igreja.
Resta ver se a congregação até agora presidida por Ratzinger publicará o documento. Para já, o novo Papa terá de escolher alguém para lhe suceder no cargo. Em Roma, os jornais falam de nomes óbvios para o lugar: o arcebispo de Viena de Áustria, cardeal Christoph Schönborn, que foi aluno de Ratzinger; o biblista e bispo Bruno Forte; e o cardeal Tarcisio Bertone, que trabalhou com Ratzinger até há poucos anos na mesma congregação. A.M., em Roma

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