Dissipar o fantasma da Moderna

A Grande Loja Regular de Portugal (Legal) está em sobressalto. Depois de cinco anos de polémica interna, que culminou numa cisão e num escândalo na Universidade Moderna, de contornos ainda obscuros, quer reencontrar a harmonia, a tolerância e a filantropia, que afirma serem os seus reais valores. Para suceder ao grão-mestre Nandin de Carvalho há dois candidatos, José Anes e Trovão do Rosário, ambos docentes universitários, que se comprometem a afastar a maçonaria dos negócios. O PÚBLICO conclui amanhã este trabalho sobre o "regresso à normalidade" da GLRP com uma entrevista ao seu correio-mor, Paulo Noguês.

A Grande Loja Regular de Portugal (GLRP) surgiu no princípio da década de 80, de uma dissidência no Grande Oriente Lusitano (GOL). Na origem esteve uma polémica em torno da legitimidade da reeleição do então grão-mestre Rosado Correia, quando fora anunciada a passagem de testemunho para Santinho Cunha. Um grupo de maçons considerou que a "partidarite socialista" teria tomado conta do GOL e abandonou esta obediência maçónica, agnóstica e dominante em Portugal. Solicitou a (re)iniciação na Grande Loja Regular da França, uma metamorfose que levou quase dez anos a realizar-se. Converteu-se então a uma filosofia deísta, e, com pompa e circunstância, elegeu em 1993 o seu primeiro grão-mestre, o médico analista Fernando Teixeira.Personalidade exuberante, quase megalómana, Teixeira decidiu dar à sua Grande Loja uma projecção universal que fizesse empalidecer até a da potência inglesa, com mais de 275 anos de existência e referência ideológica da maçonaria regular. Por sua iniciativa e em seu nome, alugou em Cascais um palacete, a Casa do Sino, para sede da GLRP. Na mesma atitude de "grand seigneur" organizou em Setembro de 1996 "o maior encontro de grão-mestres maçónicos alguma vez realizados na Europa", como ele próprio disse ao PÚBLICO.Este acto devia ser a sua despedida das funções executivas, cedendo o lugar a Nandin de Carvalho, jurista conhecido, ex-secretário de Estado do Turismo num dos governos do Bloco Central. Foi declarado grão-mestre honorário, mas muitos foram os maçons regulares que, conhecendo a sua personalidade absorvente, prognosticaram uma vida difícil ao novo grão-mestre.De facto, três meses depois, por entre acusações de "insanidade maçónica", "negocismo" e "tráfico político", estalava a polémica entre os dois, com uma cisão à vista que Daniel Laurent, do grupo francês que instalara a GLRP, considerou inevitável. Como também considerou inevitável, a prazo, o isolamento da tendência de Fernando Teixeira: "A maçonaria regular respeita sempre os usos e costumes da tradição. Nesse sentido, para mim, o grão-mestre da maçonaria regular portuguesa é Nandin de Carvalho, apesar da grande amizade e sincera admiração que tenho pelo irmão Fernando Teixeira" (PÚBLICO de 18/1/97).O que se ignorava, na altura, era o fundamento das acusações de "negocismo" e "tráfico político" com que as duas tendências se apostrofavam - que alguns consideraram na altura ser episódios de uma polémica azeda entre "monárquicos integralistas" (Fernando Teixeira) e "republicanos radicais" (Nandin de Carvalho). O caso revelou-se mais complexo e terminou na Polícia Judiciária, com a detenção de um dos dignitários da facção da Casa do Sino, Braga Gonçalves, e do seu pai, José Júlio Gonçalves, reitor da Universidade Moderna, também ele alto dignitário maçónico, mas do Grande Oriente Lusitano.O caso de polícia em que se tornaram os negócios da cooperativa proprietária da Universidade Moderna projectou-se negativamente na imagem pública da maçonaria, em especial a representada pela Casa do Sino, mas atingindo por igual toda a GLRP, independentemente das facções. É neste contexto ainda de ressaca que se realizam as eleições para o sucessor de Nandin de Carvalho, com os dois candidatos a afirmar que a sua principal intenção é reencaminhar a maçonaria regular para os exercícios de aperfeiçoamento individual e para as obras beneméritas. Garantiram ao PÚBLICO que é sua intenção separar os negócios das lojas, uma tarefa nem sempre fácil, como se viu nestes últimos anos de vida da GLRP.

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