Comboio fantasma

Partiu de Bordéus a 9 de Agosto de 1944, em direcção a Dachau. Levava a bordo 592 homens e 64 mulheres. Entre os passageiros seguiam nove portugueses, o maior grupo de nacionais que se encontra num dos transportes que deixou a França em direcção aos campos de concentração nazis. São eles: Américo da Costa, Delfim da Cunha, António Ferreira, Casimiro Martins, Alberto Mateus, José Rodrigues das Neves, José Oliveira Varjia (?), Tomás Vieira e Abel Carvalho. Um décimo homem, João Fernandes, nascido em Portugal também consta da lista de passageiros, mas está identificado como francês.

9 de Agosto de 1944

Angoulême

Às cinco da manhã os passageiros são colocados a bordo do comboio, para onde são chamados por ordem alfabética. Há dois vagões para mulheres e nove para homens. No mês que precedeu a partida, os alemães reuniram os deportados que iriam seguir a bordo do Comboio Fantasma: 403 detidos do campo de Vernet, onde se encontravam sobretudo resistentes estrangeiros; 150 detidos da prisão de Saint Michel, incluindo Casimiro Martins; e 24 mulheres. Depois de uma primeira tentativa de partida, a 4 de Julho, em direcção a Angoulême, o transporte enfrenta diversas dificuldades – é alvo de um ataque aéreo dos Aliados na pequena estação de Parcoul-Médillac, que deixa mortos e feridos, e quando chega a Angoulême encontra a gare completamente destruída por um bombardeamento. Sem alternativa, este primeiro comboio volta para trás e os prisioneiros são deixados durante 28 dias na sinagoga de Bordéus, até que a viagem recomeça.

11 de Agosto

Nîmes

Pelas 15h, o comboio pára em Saint-Césaire, às portas de Nimes, impedido de continuar por causa dos ataques constantes das forças Aliadas e da Resistência. Por esta altura, o transporte segue ligeiramente mais leve do que tinha partido de Bordéus, já que ao longo do trajecto, vários prisioneiros conseguiram escapar, em diferentes ocasiões. Em Saint-Césaire, os prisioneiros recebem alguma comida. Assolados pelo calor, pedem água e recebem-na de algumas pessoas da estação.

13 de Agosto

Remoulins

Pelas 6h, o comboio pára em Remoulins e aí permanecerá até ao dia 17, aguardando condições para seguir viagem. Na página da Amicale dos Deportados do Comboio Fantasma, recorda-se o testemunho de uma das passageiras, Marie Bartette, publicado no Le Journal d’Arcachon, em Junho de 1945: “Os soldados abriram os vagões, o que nos agradou porque tínhamos pouco ar e luz. Olhamos e vimos sair de um vagão no centro do transporte muitos camaradas, que tombavam sobre a erva, inanimados. (…) Soubemos que aquele vagão sofrera represálias, porque foi dali que 15 prisioneiros se tinham evadido. Depois de Toulouse, o vagão foi deixado completamente fechado e os prisioneiros sem qualquer comida ou água. (…) Pelo meio-dia, comemos, recebemos pão em abundância, porque estava cheio de bolor e iria ficar intragável, para acompanhar os boiões de 5 quilos (dois por vagão) de doce que iria fermentar dentro de alguns dias.”

18 de Agosto

Roquemaure

Depois de mais algumas fugas, o comboio chega a Roquemaure, na noite de 17 de Agosto. No dia seguinte, pelas 9h, os alemães decidem abandonar o transporte (a ponte de Roquemaure havia de ser destruída por um bombardeamento ainda nesse dia), e obrigam os prisioneiros a caminhar, durante 17 quilómetros, sob um calor abrasador, enfrentando a sede, até Sorgues. Apenas os inválidos e as bagagens são transportados num camião.

19 de Agosto

Pierrelatte

De novo a bordo de um comboio, homens e mulheres seguem para Pierrelatte onde, na estação, a aviação Aliada vai atacar o transporte. Sete prisioneiros morrem, vítimas deste ataque ou das balas alemãs, ao tentarem sair dos vagões durante a confusão. Os mortos e feridos serão retirados do comboio (os últimos para serem tratados e devolvidos ao transporte) em Montélimar, nesse mesmo dia. As tropas Aliadas estão cada vez mais perto, em todo o lado, mas no verdadeiro jogo do gato e do rato em que a viagem se transformou, os alemães conseguem levar a sua avante, e o comboio volta a partir.

20 de Agosto

Livron-Loriol

O comboio chega a Livron-Loriol, mas a ponte que atravessa o rio Drôme está destruída. De novo, os prisioneiros são retirados do comboio, desta vez carregando as suas bagagens, e atravessam o rio a pé. Do outro lado, espera-os uma outra locomotiva, camuflada, para que possam seguir viagem. Nesse dia, depois de mais algumas paragens (e de mais fugas de prisioneiros), o comboio pára na estação de Valence, onde os prisioneiros recebem água. Um deles passa a mensagem a uma das ajudantes da Cruz Vermelha, para que avise a Resistência de que um comboio com prisioneiros está ali parado, mas o transporte haveria de partir antes que algo pudesse ser feito.

21 de Agosto

Isère

A ponte metálica de Isère foi danificada pelos bombardeamentos e, mais uma vez, os passageiros saem do comboio e são obrigados a cruzar a estrutura a pé. Do outro lado são colocados em novos vagões de transporte de mercadorias.

24 de Agosto

Dijon

Depois de ter sido obrigado a longas paragens, para evitar sabotagens nas vias, o comboio chega a Dijon. A esperança cresce entre os passageiros quando, na estação, são informados pelos funcionários franceses que o comboio não poderá seguir viagem, porque todas as linhas para Norte estão danificadas. Contudo, quando a noite cai, o comboio volta a partir.

25 de Agosto

Merrey

Em Merrey o comboio é obrigado a parar, por causa de sabotagem na via férrea. Aproveitando a oportunidade, cerca de 70 prisioneiros conseguem fugir, escondendo-se nas casas dos habitantes locais. A viagem continua por Neufchâteau, Nancy e Metz, em direcção à fronteira alemã.

27 de Agosto

Sarrebrück

Constantemente na expectativa de verem a sua deportação travada pelos Aliados ou pela Resistência, os prisioneiros percebem que a viagem já não será travada quando, no dia 27 de Agosto, com o comboio a andar cada vez mais rápido, vêm passar a placa que indica Sarrebrück. Estão na Alemanha.

28 de Agosto

Dachau

O comboio chega, finalmente, a Dachau, pela noite. Dos nove portugueses que seguiam a bordo, três haveriam de morrer nos campos de concentração nazis: Alberto Mateus (Dachau), Casimiro Martins (Neuengamme) e Tomás Vieira (Ebensee, comando de Mauthausen).