Uma pequena história do "consenso"

Para explicar o que foi o “consenso” em Portugal, talvez seja melhor começar pela Carta Constitucional de 1826, “outorgada” por D. Pedro IV. A Carta pretendia reconciliar o radicalismo “vintista” com o antigo regime, e a alta nobreza tradicional com a classe média e a plebe das cidades. Não se dizia “consenso” nessa altura, mas mais gramaticalmente “compromisso” e, em certos casos, “fusão”.

O compromisso de 1826 provocou uma guerra civil que durou com intermitências para lá de 1834 e definiu uma regra básica: não podia haver entendimento de espécie alguma entre a esquerda e a direita, com o Estado em bancarrota e fome no país. Por isso, mesmo depois da vitória e a perseguição aos miguelistas, não houve paz que durasse entre campeões da liberdade. Com outros protagonistas, o ódio fervia como na véspera.

Em 1836, o radicalismo do Exército e da plebe de Lisboa resolveram abolir a Carta e combinaram com a rainha (que resistiu) pôr simultaneamente em vigor a Carta e a Constituição de 1822. Portugal, num exemplo de “fusão” a que toda a gente chamava o “pastel”, ficou com duas Constituições, enquanto se preparava a terceira para as substituir. Essa terceira devia ser “o mais parecida possível” com a Carta, para contentar os “revolucionários” de Setembro e o partido com quem eles tinham alacremente corrido. Em 1838, estava pronta e tomou o nome solene de “Ordem”. Não existiria desordem porque, em princípio, o acordo era universal. Só que não era e a “Ordem” deslizou suavemente para a direita e acabou a restaurar a velha Carta (de 1826 e 1834) em 1842.

Costa Cabral,  o dono da nova situação, imaginou então fabricar um compromisso pela força, o juste milieu. Aguentou com dificuldade quatro anos e caiu com uma guerra civil, a da “Patuleia”. O Estado devia ao mundo inteiro e a fome continuava. Em 1851, Saldanha, apoiado por uma intervenção prévia da Espanha e da Inglaterra, estabeleceu a concórdia universal e Fontes Pereira de Melo sustentou essa concórdia com dinheiro da Inglaterra e da França. Veio logo a época dourada da “Regeneração”, com um pequeno intervalo (cinco anos) em que a diminuição em quantidade e valor das remessas do Brasil levou os partidos que andavam em litígio fingido a uma verdadeira “fusão”, em que partilharam irmãmente Portugal. A fome não apertava tanto e o Estado parecia solvente. Em 1890-1893, a ilusão morreu. Dali em diante, como entre 1817 e 1851, uma guerra civil larvar ou activa não deixou os portugueses. Salazar, com a censura, o Exército e a polícia política, abafou essas longas festividades. Hoje, o Governo que fala em “consenso” e o PS que o recusa por razões triviais não percebem que o “consenso” implica um Estado com dinheiro, e muito dinheiro, e crescimento económico. Não sabem história.

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