Um antigo sonho

A França é hoje uma potência menos que média; perdeu a sua supremacia cultural e já não interessa seriamente ninguém. Mas deixou uma herança envenenada, a “Europa”.

Eça, peço desculpa de o citar, dizia que Portugal era uma espécie de França, traduzida em vernáculo ou em calão. Os Maias, coisa que pouca gente tem percebido, são o romance da nossa irresistível tendência para a imitação e do fracasso a que sempre levou. A última conversa entre Ega e Carlos trata do destino dos sapatos franceses quando chegam a Lisboa. E a primeira, no consultório de Carlos, sobre uma civilização importada, que nos fica “curta nas mangas”.

Nada disto é estranho. Portugal não podia escolher o modelo da Espanha, de que um velho antagonismo nos separava. Nem o de Inglaterra, que exercia sobre nós um protectorado humilhante. Nem da Alemanha, um país radicalmente estranho e uma língua radicalmente diferente. Sobrava a França. E os portugueses copiavam com entusiasmo a moda francesa, a literatura francesa e a política francesa, que se discutia com ardor nos cafés.

Salazar interrompeu esta tradição. Mas mesmo ele admirava Maurras e protegeu os restos da “Acção Francesa” no fim da guerra. De qualquer maneira, a esquerda clandestina ou discreta continuava a admirar fervorosamente a prosa e poesia que o PCP (ou amigos do PCP) contrabandeavam de França e alguns livreiros vendiam por baixo do balcão. Até jornais cá chegavam, ajudados pela distracção dos CTT ou pela ignorância da polícia. No “25 de Abril”, evidentemente, Portugal queria como a França copiar a revolução de Lenine e ascender depressa à prosperidade do Ocidente. A esquerda penava  quase exclusivamente pelo marxismo académico francês. As massas prendiam os capitalistas mais notórios.

Como se sabe, a França pouco a pouco enfraqueceu. É hoje uma potência menos que média; perdeu a sua supremacia cultural (que vinha do século XVIII); e já não interessa seriamente ninguém. Mas deixou uma herança envenenada, a “Europa”, montada por um francês, o sr. Delors, à imagem da burocracia francesa. A grande ambição de Portugal mudou: agora só pensava em ser “como na Europa” ou, pelo menos, “como a média da Europa”. Não ocorreu a Soares, nem a Cavaco, nem ao cristianíssimo eng. Guterres que o país não tinha os meios desta simpática ambição. E assim nasceram auto-estradas, o papel social do Estado (que não acaba na saúde, na educação, e nas reformas) e 700 mil funcionários públicos para atender às necessidades dos portugueses. Não, não gastámos de mais. O que fizemos foi seguir a nossa natureza e os desejos de gerações que se perderam na obscuridade e na frustração.

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