Memórias de Família

Memórias de Família

"Meu bisavô português, quem és tu?"

A bisavó de Frédéric Dumoulin, Julienne Pouchain, que terá tido um amor clandestino com um militar português

"Não sei quase nada sobre ti, tu és o mistério da família. Um segredo bem guardado, ocultado mesmo... Em 1984, tinha eu 15 anos e já era um apaixonado pela genealogia. Quis saber quem era o pai da minha avó, Marie Pouchain. Ela nasceu a 17 de Maio de 1919, numa pequena aldeia da região de Pas-de-Calais, Reclinghem, a uma quarentena de quilómetros do lugar da mais célebre batalha da Flandres, onde muitos soldados portugueses perderam a sua vida.

Ela era a filha “natural” de Julienne Pouchain, uma "viúva de guerra". Interroguei longamente os habitantes mais velhos da aldeia, onde finalmente consegui saber, através de um velho primo, que a minha avó tinha sido fruto de um amor clandestino, em Agosto de 1918, da sua mãe com um militar português. Este militar fazia parte de um pequeno grupo que tinha chegado um belo dia à aldeia, tendo ficado acantonado algum tempo nos campos de um pequeno lugar chamado Lilette, em Reclinghem. A quinta onde vivia a minha avó era mesmo ao lado...

Quanto tempo durou esta ligação clandestina? Não sei. E de ti, meu caro bisavô, nada sei, nem o nome, nem o apelido.. Não tenho uma fotografia... Qualquer tipo de indício... A minha avó nunca ousou fazer a perguntas à sua mãe – que se casou depois da guerra – sobre este pai desconhecido. Ela sofreu, na escola, quando as outras crianças lhe chamavam bastarda. Na família, ninguém falava do assunto porque era tabu, era uma vergonha...

Segundo um ancião da aldeia, que já morreu, este militar português teria voltado, depois da guerra à aldeia de Reclinghem para tentar reencontrar a sua amada mas a minha bisavó já não vivia lá.

O seu curto idílio amoroso terá sido uma bela história de amor para Julienne porque toda a gente na família dizia que a minha avó Marie era a sua filha preferida.

Desde que eu sei que, tu, meu bisavô, és português, tenho feito de tudo para saber quem és tu... Fui a Portugal, andei nos arquivos militares franceses, criei uma página no Facebook chamada “Identification de soldats portugais CEP/ Soldados portugueses”. Tornou-se uma verdadeira obsessão... Mas nada, não consegui nenhum elemento até agora.

Talvez tu, caro bisavô, quando voltaste a Portugal, não tenhas guardado o teu segredo e o tenhas contado à tua família, aos teus amigos? Talvez tenhas levado contigo uma foto de Julienne?

Junto a este testemunho a sua fotografia tirada mais ou menos na altura em que terá conhecido este soldado português, assim como uma foto da sua filha, Marie. Quem sabe, talvez, que ao ver estas fotos alguém se lembre de alguma coisa? Deixo também o meu email frednadaud@hotmail.com. Não hesitem em contactar-me caso tenham informações sobre ele ou sobre soldados portugueses que tenham estado em Reclinghem.

A minha mãe tem uma “teoria”: ela está convencida que tu te chamas Manuel? Porquê? Porque quando teve o meu irmão, em 1974, os meus pais quiseram chamar-lhe Alexandre. E depois durante a noite – ninguém sabia nada deste português! – ela acordou em sobressalto e disse: “Vai chamar-se Manuel”... Nome comum em Portugal mas raro em França... Mas isso já é entrar no reino do sobrenatural!"

Frédéric Dumoulin, jornalista da Agência France Press (AFP), em França
 

  • José António Rebelo Silva, prior da freguesia de Colares desde 2006, ofereceu-nos uma missa que nos comoveu e, espantosamente, consolou.

  • Os dias contigo são os bocadinhos de manhã, tarde e noite que são avaramente permitidos aos mais felizes.

  • O que contam os descendentes de quem viveu a guerra de forma anónima? Cem anos depois do início da I Guerra Mundial, já sem a geração do trauma, a memória reconstrói-se e tenta-se a biografia portuguesa do conflito europeu.Durante três dias, os testemunhos chegaram ao Parlamento na iniciativa Os Dias da Memória.

  • Ao contrário da generalidade dos militares portugueses evocados nestas páginas, o contra-almirante Jaime Daniel Leotte do Rego (1867-1923) não precisa de ser resgatado do esquecimento

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