Só um esforço

Vou muitas vezes debater o estado do país e da Europa a conferências, mesas-redondas e congressos. Há sempre duas coisas em comum nessas ocasiões. Em primeiro lugar, achamos todos que há mudanças importantes a operar no “sistema”, nas “elites”, lá longe, entre “eles que nos governam”. Em segundo lugar, somos quase todos homens, brancos e com falta de cabelo.

Isto não é só uma ilustração do velho fenómeno que notou Tolstoi ao escrever que quando perguntamos a alguém se o mundo deve mudar a resposta é logo positiva, mas se perguntamos se esse alguém deve mudar a resposta é quase sempre negativa. É também uma coisa muito portuguesa. O Portugal das salas de conferência é muito menos diverso e inclusivo do que o Portugal das ruas e dos autocarros. No entanto, o Portugal das salas de conferência pretende discutir “o país” e esquece-se de o fazer com grande parte das pessoas de que se compõe o país. E, se essa lacuna é lembrada, corremos o risco de ser caricaturados como “politicamente corretos”.

Já que é assim, aqui vai outra. Reúno muitas vezes com direções de associações, sindicatos, ONG, clubes, grémios e afins. Não só as direções continuam a ter poucas mulheres como é raríssimo ver aparecer alguém de uma minoria. Não se vê um negro, asiático ou mestiço. Há poucos ou nenhuns jovens. Não há, de todo, gente com deficiências, provavelmente a mais total das exclusões (agregada à dos veteranos com traumatismo de guerra, físico ou psicológico, que não são poucos). Não há, sequer, sotaques para lá do lisboeta — nem alentejanos, beirões, minhotos ou ilhéus, nem brasileiros, africanos ou asiáticos, para não falar de estrangeiros não-lusófonos.

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Se isto é importante? Claro que é. Gente diferente traz pontos de vista diferentes. Pontos de vista diferentes ajudam a melhorar diagnósticos e a encontrar melhores soluções. Outras pessoas, com outros problemas, lembram-se de coisas com que não nos preocuparíamos à partida, e ajudam-nos a fazer um país melhor para todos.

Além disso, é menos chato. Que me entendam bem, acho fantásticas as iniciativas de todos os homens brancos lisboetas e semicalvos, como eu, que querem discutir “os problemas do país e da Europa”. E comove-me a abnegação de tantas direções de organizações, de clubes a sindicatos, que, ano após ano, sacrificam os tempos livres à causa do associativismo, de uma sociedade civil forte e de um país melhor. Mas há mais no país do que ouvir e falar com pessoas parecidas comigo.

Esta é uma daquelas coisas em que a mudança não é longínqua nem dependente do “sistema”. Esta é uma mudança que podemos fazer nós, com algum esforço (dir-me-ão que é menos fácil do que parece), mas que está ao alcance da mão. Basta incluir nos objetivos da associação para este ano: organizar mais debates em que metade dos convidados seja mulheres. E nos objetivos para as eleições do próximo ano: ter uma lista paritária e com mais gente de minorias — raciais, regionais, sexuais, sociais ou outras.

Portanto, caros amigos, um esforço para nos mudarmos a nós. Depois, o sistema que se cuide.

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