RTP violou a lei se não pediu aval dos jornalistas para divulgar imagens

De acordo com a lei, os elementos da PSP que alegadamente visionaram imagens podem também ser responsabilizados.

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O caso motivou a demissão de Nuno Santos da direcção de informação do canal Rui Gaudêncio

A eventual divulgação, pela direcção de Informação da RTP, das imagens em bruto dos confrontos no Parlamento aos agentes da PSP que foram às instalações da empresa a 15 de Novembro é uma violação do Estatuto do Jornalista. De acordo com este diploma legal, os directores de Informação, os administradores, gerentes ou qualquer pessoa que trabalhe numa empresa de media "não podem, salvo com autorização escrita do jornalista envolvido, divulgar as suas fontes de informação, incluindo os arquivos jornalísticos de texto, som ou imagem das empresas".

O mesmo artigo também estipula que nem os jornalistas nem as empresas podem ser "desapossados" ou "obrigados a exibir os elementos recolhidos no exercício da profissão, salvo por mandado judicial e nos demais casos previstos na lei".

Esses outros casos são muito específicos e são enquadrados pelo Código de Processo Penal. Este Código também torna infractores os elementos da PSP envolvidos neste caso. Porque pela lei as autoridades só podem pedir o acesso a este tipo de conteúdos com um mandado judicial (uma autorização de um juiz) - o que não sucedeu. E, de acordo com a administração da RTP, houve elementos estranhos à empresa que ali entraram, pela mão da Direcção de Informação e sem o seu conhecimento, e que visionaram imagens dos incidentes verificados após a manifestação em frente ao Parlamento, no dia da greve geral. Ou seja, sem qualquer mandado judicial.

Na carta que enviou na quarta-feira à redacção aquando do seu pedido de demissão, Nuno Santos afirma que "durante o processo" manteve "informado e com detalhe" o director-geral de conteúdos. Não especifica, porém, se se trata apenas do período em que teve prestar esclarecimentos aos órgãos representativos dos trabalhadores sobre a polémica ou se abrange também os dias anteriores, em que a PSP esteve na RTP.

Depois de conhecer os resultados do inquérito urgente que mandou fazer na PSP, o ministro da Administração Interna admitiu, em comunicado, que aquela força policial pediu o acesso "às imagens televisivas" dos incidentes do dia 14, e que fez o "visionamento das imagens televisivas" dos confrontos nas "instalações da RTP" no dia 15. Mas não especifica, nestes dois casos, se se refere a imagens transmitidas em antena ou se são todas as imagens recolhidas. Também reconhece que a PSP "não tem em seu poder quaisquer outras imagens, designadamente não editadas ou não difundidas publicamente". Mas Miguel Macedo deixa um recado explícito: realça que "todas as entidades têm o dever de colaborar, nos termos da lei, com as autoridades de investigação criminal, tendo em vista a descoberta da verdade". E como há dúvidas sobre se a PSP "pode ter legitimamente acesso" a imagens em bruto por "ser uma polícia com poderes de investigação criminal", o MAI vai pedir um parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.

De acordo com o Código de Processo Penal, o acesso e apreensão de meios de prova feitos por órgãos de polícia criminal têm que ser autorizados, ordenados ou validade por despacho da autoridade judiciária. A excepção é se os visados consentirem expressamente, por escrito - o que não aconteceu com os autores das imagens da RTP, que não terão sequer sido consultados.

Como se trata de conteúdo criado por jornalistas - os operadores de câmara e os fotógrafos estão igualmente incluídos -, estes podem recusar o acesso alegando segredo profissional, que está salvaguardado por lei. Se a PSP insistir, o assunto terá que ser decidido pelo tribunal.
 
 

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