Ricardo Araújo Pereira regressa à TV porque o humor tem o poder de tornar os problemas mais leves

Durante três meses, a partir desta segunda-feira, Ricardo Araújo Pereira mostra-se na TVI, sem os restantes Gato Fedorento, em Melhor do que Falecer, um programa de 5 minutos, sobre o que lhe apetecer.

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Ricardo Araújo Pereira Enric Vives-Rubio

É esta segunda-feira, depois do Jornal das Oito da TVI, que estreia Melhor do que Falecer, novo programa diário de cinco minutos de Ricardo Araújo Pereira.

O humorista regressa assim à televisão generalista sem os Gato Fedorento, para um projecto que será exibido de segunda a sexta, contando ainda com um compacto ao sábado. O formato será exibido, depois do telejornal das oito, durante três meses, podendo a TVI avançar com uma segunda temporada. Haverá actores convidados e aparições especiais também.

“O programa será composto por rábulas interpretadas por mim e por pessoas que sabem mesmo representar. E as rábulas serão, como acontece com a rubrica que faço na Rádio Comercial, sobre o que me apetecer”, diz Ricardo Araújo Pereira, por email, sobre o novo programa, acrescentando que não tem apenas o intuito de comentar o presente do país, embora isso também vá suceder.

“Há muitas maneiras de comentar a actualidade do país”, diz. “Uma é dizer: ‘O Governo não sabe bem o que está a fazer.’ Outra é dizer: ‘Era uma vez, numa galáxia distante…’ O segundo método é mais interessante, embora o primeiro tenha os seus encantos.”

Para além de Melhor do que Falecer, Ricardo Araújo Pereira, de 39 anos, integra também o leque de comentadores de Governo Sombra (TSF, TVI e TVI24), escreve crónicas para a imprensa e assina a rubrica Mixórdia de Temáticas na Rádio Comercial. Existia já uma relação com o grupo Media Capital, ao qual a TVI pertence, não tendo sido difícil, segundo ele, aceitar o convite.

Aliás, a ideia para a TV é importada da rubrica que mantém na Rádio Comercial, agora num formato televisivo, o que implica novos desafios e, segundo Ricardo Araújo Pereira, dificuldades acrescidas: “Gosto mais de ouvir histórias do que de ver uma história a desenrolar-se. Quase todas as minhas personagens contam uma história, não vivem uma história. Acho o relato da vida mais interessante do que a própria vida. Gosto de palavras, no fundo. E isso pode tornar-se aborrecido, num programa de TV.”

A última aparição do humorista num programa de TV foi em Dezembro. Com os Gato Fedorento participou na emissão especial A Solução, na SIC, ficando a sensação, junto de parte do público, que as expectativas não foram totalmente cumpridas. Agora volta a existir expectativa, embora ele recuse a ideia. “Nenhum dos pensamentos que me ocupam é sobre expectativas. Até porque não tenho maneira de saber quais são. Gostava que o programa tivesse graça, porque o meu trabalho, como eu o entendo, é fazer rir as pessoas. Há quem diga que é uma ambição modesta. Quem diz isso, normalmente, nunca tentou fazer rir ninguém.”

Na apresentação do programa, a TVI, através do director de Marketing, Manuel Simões de Almeida, fez passar a ideia de que o seu valor era incalculável, ou seja, uma garantia de audiências, mas ele afirma não se sentir mais pressionado por isso. “Não consigo adivinhar de que é que as pessoas gostam, por isso, escrevo aquilo a que eu acho graça, e espero que haja quem partilhe o mesmo humor”, afirma, concluindo: “Mas recuso que a minha vida se transforme num concurso de popularidade.”

Uma coisa é certa: o passo que agora é dado não significa o fim dos Gato Fedorento. Aliás, garante que mantém um contacto muito regular com os restantes três humoristas: “Todos os dias, o Miguel, o Zé Diogo e o Tiago me telefonam para saber se eu preciso de ajuda no programa, e para achincalhar cruelmente as minhas angústias e insegurançazinhas. São bons amigos.”

O regresso do humorista acontece numa altura em que país está em contracção, mas na sua visão a comédia não tem poder para reparar problemas sociais, exemplificando com uma célebre discussão sobre até onde o humor pode ir. “Um dia, alguém dizia ao humorista britânico Peter Cook que o humor tinha um enorme poder, e que os satiristas políticos mais poderosos e influentes eram os que tinham actuado, durante o início do regime nazi, nos cabarets de Berlim. Peter Cook terá respondido: ‘Pois foi. Eles deram cá uma ensinadela ao Hitler…” É curioso notar que, normalmente, quem acha que o humor é poderoso não tem sentido de humor nenhum. Ditadores, por exemplo.”

Na sua visão, os humoristas tendem a ser mais comedidos, ou mais realistas, quando pensam sobre a possibilidade de mudarem as circunstâncias sociais que os rodeiam. “O humor tem o poder de tornar os problemas um pouco mais leves”, afirma. “Quando nos rimos de qualquer coisa, ela torna-se mais pequena. Até a morte passa a ser menos assustadora. Vive-se um pouco melhor, assim. Mas é um magro consolo, porque se morre na mesma. O humor é isso: uma fraca consolação. Como dizer de um programa de televisão (ou da vida) que é apenas melhor do que falecer.”
 

 

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