Quem está este ano a corrigir os exames?

Bolsa de Professores Classificadores é produto descontinuado sem alternativa à vista? Afinal não era bem isto? Correu mal?

Começo pelo fim. Porque é do fim que temos mais vezes de falar. Ou melhor, temos de mais vezes reclamar o direito de nos ser dado a perceber o fim do que existia. Terá sido certamente porque alguém achou que era melhor que assim fosse… Pois, mas não chega!

Em matéria de serviço público não basta ir descontinuando. É imperioso explicitar as razões, para um futuro a construir do que se conseguiu aprender, muito além do que serão boas ideias ou ideias generosas. A bolsa de professores especialistas em classificação de exames nacionais foi (apenas) uma (boa) ideia?

Vamos ao início. Em 2010, explicaram aos professores, e não só, repetida e assertivamente, que era essencial constituir um contingente de professores dedicados, especialmente formados para o desempenho continuado da superior missão de classificar exames nacionais. Era o anúncio da Bolsa de Professores Classificadores (BPC). Sobre a importância da incumbência e da qualidade do seu cumprimento, não valerá a pena desenvolver argumento – estão em causa valores como a justiça dos resultados dos alunos e a credibilidade do sistema educativo.

A função de classificador, claramente intrínseca à condição docente (matéria sobre a qual, à data, foi feita basta preleção), ganhou, então, protagonismo, nem sempre pelas melhores razões. Para tal terá contribuído o antagonismo à mudança súbita, o não envolvimento atempado dos de repente arregimentados, e também não terá sido alheio o facto de a classificação (das provas do ensino secundário) deixar de ser gratificada.

O GAVE (hoje IAVE) chamou a si a atribuição (até aí do Júri Nacional de Exames, JNE) e empenhou-se, desdobrou-se, no muito ambicioso projeto de criar, gerir e formar a BPC. No despacho de criação da Bolsa as finalidades são amplas: alargar o programa de formação aos classificadores de provas de exame e regular o processo de recrutamento dos professores classificadores, tendo em vista a constituição de uma bolsa de docentes qualificados e vinculados ao processo de classificação dos exames nacionais. Pretende-se […] [dar] um passo decisivo para a prestação de um serviço público de elevada qualidade técnica. (Despacho n.º 18060/2010, 3 de dezembro). Neste normativo, os critérios a cumprir pelo diretor de cada escola na identificação dos professores a propor para o exercício da função tinham uma condição comum: o docente tinha de estar a lecionar a disciplina/ano de escolaridade da prova ou já a ter lecionado. Este era o requisito sem o qual não se era candidato à Bolsa.

O processo de seleção era feito pelo GAVE, dele resultando o recrutamento de professores, a quem era dada formação, especificamente na classificação de exames. Os selecionados estabeleciam com o GAVE um acordo por quatro anos.

Corria 2010/11, ano atribulado de nascimento da BPC. A sua implementação apressava-se em contrarrelógio, o processo de operacionalização tinha de nascer dali a poucos meses, nessa época de exames.

Milhares de professores para formar, avaliar e contratualizar por quatro anos. Um investimento imenso em recursos humanos e materiais, que tropeçava numa estrutura logística e administrativa talvez surpreendida com a dimensão do que geria e a que principalmente parecia faltar um plano sólido de desenvolvimento. Parecia que se navegava à vista e, por isso, se regulamentava à vista, reformulando, retificando (ao despacho de dezembro de 2010 sucede um de abril de 2011, o Regulamento de junho é substituído por outro, oito dias depois), sem tempo ou vontade de medir o pulso ao desenrolar dos acontecimentos.

Não haveria sequer possibilidade de voltar atrás: a máquina não era parável e mesmo que fosse não era – isso significaria perder a face. O projeto assumira-se como pioneiro, o seu carácter quase visionário era reiterado a cada ensejo, e, na voragem do confronto entre vontades ou interesses pouco conciliáveis (com as forças sindicais a darem voz a incongruências e outros desalinhos), a coisa, contando com uma expectável resistência à mudança e com os erros que a alimentavam, transformou-se num monstro que se foi domando, monstro teoricamente bom na sua essência, nascido dos primórdios da contenção das contas públicas, odiado na sua existência comum, mas com quem se aprendia a conviver….

Verdade é que os anos letivos foram passando, e, em 2013, com o DL que aprovou a orgânica do IAVE, a BPC ocupou lugar no elenco das missões e atribuições do novo instituto.

Em janeiro passado, reportando-se aos exames de 2014, o JNE alertava (fazendo público o que se imagina ter em tempo e sede próprios partilhado com o parceiro IAVE) para problemas encontrados na bolsa de classificadores do secundário: tem poucos professores inscritos e há dados desatualizados. A bolsa deveria ser reformulada e deveria ser atualizada anualmente, tendo em conta que alguns dos docentes que a integram, apesar da formação, não têm contacto funcional com os respetivos programas curriculares […], enquanto outros professores que nos últimos quatro anos lecionaram o ano/disciplina de exame continuam a não pertencer à bolsa, embora muitas vezes manifestem esse desejo.

No início deste mesmo ano, o IAVE, no seu Plano de Atividades – 2015, inscrevia em singela nota de rodapé:

A atividade associada à BPC está condicionada pela aprovação atempada de novo despacho que enquadre a atividade dos professores classificadores de provas de avaliação externa. Caso se concretize aquela aprovação até ao final de janeiro de 2015, admite-se como possível a continuação do programa de formação decorrente do despacho n.º 18060/2010 […].

No início de junho chegava às escolas a Comunicação N.º 5/JNE/2015: o JNE, na prática, reassumia a liderança do processo de designação de classificadores (em 2010 entregue à BPC do IAVE). É necessário, afirma o JNE, proceder a ajustamentos à bolsa de classificadores remetida pelo IAVE.

Cinco anos passados, na época de exames 2015, estamos todos, ou quase todos, indigitados para classificar provas: com formação, sem formação, na Bolsa e fora da Bolsa, a lecionar ou não o ano de exame, com muitos ou poucos anos de lecionação e de classificação ou a experimentar, pela primeiríssima vez, sem contacto funcional anterior com os programas ou com o processo. Todos recrutados, que há exames para serem classificados e outros haverá para serem reapreciados! Os classificadores não estão sozinhos, é certo. Reportam via e-mail a um coordenador. Mas nesta época de exames deixou de ser imprescindível entregar os exames ao contingente especial de classificadores para assegurar elevada qualidade técnica. Ou se calhar deixou apenas de ser possível.

Porquê?

Não chega a nota de rodapé do IAVE, admitindo possibilidades e salvaguardando objetivos operacionais. Também porque essa nota apresenta conteúdo que será redundante relativamente ao que em tempo e sede próprios se quer crer ter sido dito e tomado por todos como prioritário (IAVE e responsáveis políticos).

No dia 20 deste mês, recebi 45 provas de exame de Português de 12.º ano para classificação. Lecionei nos últimos dois anos o 10.º e o 11.º ano, nunca tendo lecionado o atual programa de 12.º ano. Nunca classifiquei provas deste ano de escolaridade. Sei que estou em situação idêntica à de muitos outros, de muitas disciplinas. A BPC é produto descontinuado sem alternativa à vista? Afinal não era bem isto? Correu mal?

Todo o trabalho que desenvolvi durante vários anos até 2013, na área da avaliação externa, permite-me encarar com serenidade a tarefa para que fui designada.

Mas todo o trabalho que desenvolvi nesses anos e em todos os outros da minha carreira docente obriga-me a perguntar Porquê?

É absolutamente fundamental perceber o que se faz com o serviço público que se presta. É indispensável que os projetos sejam muito mais do que ideias de responsáveis que usam estruturas públicas e que arrastam autoritariamente processos que o tempo acaba por fazer esquecer, hipotecando operações eventualmente positivas e fazendo-as sumir na inconsistência das ações.

É uma questão de prestação de contas. É um direito e deveria ser um dever cujo incumprimento deveria dar lugar a… sair da bolsa!

Professora da Escola Secundária Rainha D. Amélia (Colaboradora do GAVE entre 2008 e 2013, tendo desempenhado funções de Diretora de Serviços de Exames entre 2010 e 2013)

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